Quinta, 12.
Apetecia-me
falar das 550 páginas do Diário de Virginia Woolf que ontem findei de ler. Mas
estou sem vontade, o esforço seria imenso até porque conheço a obra dela com
alguma profundidade e poderia pronunciar-me mais de uma hora. Como diarista,
embora tenha lido muita coisa esparsa, surpreendeu-me. A tradução é muito muito
boa da autoria de Maria José Jorge. Tenho de comprar o segundo volume, embora
me pareça que a escritora prossiga o seu rumo daquela forma independente,
tecendo vibrantemente sobre os grandes e os pequenos acontecimentos, numa
Grã-Bretanha do fim do século XIX e início do séc. XX, duas grandes guerras e o
crescimento das lutas de classes, um ajuste incomensurável com a Europa que
iria nascer da guerra de 39-45 e onde os ingleses marcavam já posição política.
Se os compararmos com os diários de Julien Green, Junker, Matzneff, Jean
Chalon, Dostoievsky, Vergílio Ferreira ou Torga, para citar apenas os que
conheço, Virginia Woolf é uma voz não só singular como arrebatadora de um
estado de espírito que leva na dianteira amigos e inimigos, estados de alma e
amores tumultuosos, visões políticas e sociais, mas, acima de tudo, uma
extraordinária obsessão com a escrita, os demónios que a invadem, numa doentia
dependência pela originalidade, o êxito, a nobre posição que no princípio do século
XX a arte granjeava à plêiade de escritores que com ela conviveram, muitas
vezes numa rivalidade dura, cheia de invejas, tricas e posições de força:
Edward Forster, T.S. Eliot, Aldous Huxley, Henry James, Katherine Mansfield,
Joyce, Bertrand Russell entre tantos outros. A aristocrata não descia do
pedestal onde se torturava, explorava as profundezas da sua alma, sem
concessões à arraia miúda que tratava com implacável desprezo indo ao ponto de
afirmar “não gosto da natureza humana, a menos que esteja toda revestida de
arte”, como se a natureza humana não fosse ela própria a essência da arte. Noutro
passo, lê-se: “A verdade é que as classes baixas são mesmo detestáveis.”
- Já que menciono Green, estando a
reler L´avenir n´est à personne, não
resisto de transcrever esta passagem, pág 120, Ed. Fayard, do Profeta Isaías,
1-18:
“E vinde e julguemos – diz o Senhor.
Ainda que os vossos erros sejam como púrpura, branqueá-los-ei como neve; ainda
que sejam como escarlate, branqueá-los-ei como lã...” E Julien Green diz: “Un
des moments de la Bible qui m´ont aidé à changer ma vie.” (Um dos momentos da Bíblia
que me ajudaram a mudar a minha vida.)
- Foram hoje conhecidos os números da
catástrofe por que passou as Bahamas: 50 mortos, mais de cem mil
desaparecidos. É assustador.
- Mais dois ciclos que se fecham. Apanhei
a derradeira meia-dúzia de laranjas de um ano farto; colhi o resto das maçãs
reineta que tinha nas árvores.