quinta-feira, setembro 12, 2019

Quinta, 12.
Apetecia-me falar das 550 páginas do Diário de Virginia Woolf que ontem findei de ler. Mas estou sem vontade, o esforço seria imenso até porque conheço a obra dela com alguma profundidade e poderia pronunciar-me mais de uma hora. Como diarista, embora tenha lido muita coisa esparsa, surpreendeu-me. A tradução é muito muito boa da autoria de Maria José Jorge. Tenho de comprar o segundo volume, embora me pareça que a escritora prossiga o seu rumo daquela forma independente, tecendo vibrantemente sobre os grandes e os pequenos acontecimentos, numa Grã-Bretanha do fim do século XIX e início do séc. XX, duas grandes guerras e o crescimento das lutas de classes, um ajuste incomensurável com a Europa que iria nascer da guerra de 39-45 e onde os ingleses marcavam já posição política. Se os compararmos com os diários de Julien Green, Junker, Matzneff, Jean Chalon, Dostoievsky, Vergílio Ferreira ou Torga, para citar apenas os que conheço, Virginia Woolf é uma voz não só singular como arrebatadora de um estado de espírito que leva na dianteira amigos e inimigos, estados de alma e amores tumultuosos, visões políticas e sociais, mas, acima de tudo, uma extraordinária obsessão com a escrita, os demónios que a invadem, numa doentia dependência pela originalidade, o êxito, a nobre posição que no princípio do século XX a arte granjeava à plêiade de escritores que com ela conviveram, muitas vezes numa rivalidade dura, cheia de invejas, tricas e posições de força: Edward Forster, T.S. Eliot, Aldous Huxley, Henry James, Katherine Mansfield, Joyce, Bertrand Russell entre tantos outros. A aristocrata não descia do pedestal onde se torturava, explorava as profundezas da sua alma, sem concessões à arraia miúda que tratava com implacável desprezo indo ao ponto de afirmar “não gosto da natureza humana, a menos que esteja toda revestida de arte”, como se a natureza humana não fosse ela própria a essência da arte. Noutro passo, lê-se: “A verdade é que as classes baixas são mesmo detestáveis.”

         - Já que menciono Green, estando a reler L´avenir n´est à personne, não resisto de transcrever esta passagem, pág 120, Ed. Fayard, do Profeta Isaías, 1-18:
         “E vinde e julguemos – diz o Senhor. Ainda que os vossos erros sejam como púrpura, branqueá-los-ei como neve; ainda que sejam como escarlate, branqueá-los-ei como lã...” E Julien Green diz: “Un des moments de la Bible qui m´ont aidé à changer ma vie.” (Um dos momentos da Bíblia que me ajudaram a mudar a minha vida.)     

         - Foram hoje conhecidos os números da catástrofe por que passou as Bahamas: 50 mortos, mais de cem mil desaparecidos. É assustador.


         - Mais dois ciclos que se fecham. Apanhei a derradeira meia-dúzia de laranjas de um ano farto; colhi o resto das maçãs reineta que tinha nas árvores.