Terça,
10.
Ontem,
tendo sido dia do meu aniversário, decidi nada fazer. Quero dizer pôr de lado a
escrita tão absorvente como um mata-borrão. Fui por isso sentar-me como
qualquer português civilizado numa esplanada, estender a vista pelo horizonte
movimentado da avenida, e deixar o cérebro deambular por espaços vazios de
pressentimentos e ideias aziagas. Este era o meu desejo. A realidade porém,
revelou-se outra. Estive toda a santa manhã a agradecer a familiares, amigas e
amigos, a recordação de uma data que devo começar a desfazer para bem da minha
cabeça. Não é que me sinta velho no verdadeiro sentido do termo, mas os anos, à
medida que nos carregam e nós a eles, instalam uma espécie de murmúrio contabilístico.
Parece que nos põe diante de um passo para um mundo outro cuja beleza ou horror
não podemos antever. Este mistério é que condiciona o nosso existir na recta
final. Bem sei que é uma estupidez, considerando que para morrer basta termos
nascido e a psicose da morte não faz bem aos sentidos, nem aos que estão
próximos. Não posso antever o futuro e muito menos quantos anos ou dias ficarei
neste reino abastado do mistério que o sucede. O que sei é que até agora o
percurso tem decorrido montado na liberdade enquanto âncora absoluta da
existência, sem entravo de saúde, o físico acompanhando a apologia quotidiana
do espírito, planando até sobre as palavras, as ideias, a torrente de emoções
que despejam sobre a vida o embalo amortecedor das dores gélidas irmãs da
morte. Talvez tudo fosse diferente se não houvesse os livros, a escrita, o
silêncio derramado sobre o lugar onde escolhi viver, solitário, enchendo as
horas que alagam cada sensação, cada recordação, cada instante logo
ultrapassado pelo chorrilho de realidades disparadas pelo meu cérebro sempre em
efervescência: imagens, voos, mundos díspares, relâmpagos, formigueiros de
páginas a encher, corpos disformes, luminescências, sustos, alcantis íngremes,
nódoas aureoladas de sombras que se esfumam quando as noites se aproximam,
entusiasmos que pusemos na arte de viver se atenuam e recorremos aos cafés para
nos empanturramos do vazio que os habita... A verdade é que não é numa vida que
realizamos os sonhos que nos construíram. Talvez precisemos da morte para o
saldo definitivo e a consagração daquilo que ficou pelo caminho desenhado, mas
nunca consumado. Tudo o que para nós mesmos projectamos, dissipou-se nas
sombras que se aproximam e nos cercam da autêntica realidade – essa que nos
escapa e só a conheceremos quando desistirmos de criar mundos nos vales
profundos das auroras setentrionais. Encaremos, pois, o futuro abraçando a
simplicidade pura dos dias e desconfiemos dos sábios e dos profetas que querem
preparar-nos os amanhãs fictícios onde enterram a individualidade em favor da massa
amorfa e indiferente. Pensando no amanhã e, sobretudo, neste diálogo que desejo
ininterrupto, ofereci-me este novo layout
com passagens que multiplicam e interligam outras plataformas comunicacionais,
inclusive, o famoso facebook.