terça-feira, setembro 10, 2019

Terça, 10.

Ontem, tendo sido dia do meu aniversário, decidi nada fazer. Quero dizer pôr de lado a escrita tão absorvente como um mata-borrão. Fui por isso sentar-me como qualquer português civilizado numa esplanada, estender a vista pelo horizonte movimentado da avenida, e deixar o cérebro deambular por espaços vazios de pressentimentos e ideias aziagas. Este era o meu desejo. A realidade porém, revelou-se outra. Estive toda a santa manhã a agradecer a familiares, amigas e amigos, a recordação de uma data que devo começar a desfazer para bem da minha cabeça. Não é que me sinta velho no verdadeiro sentido do termo, mas os anos, à medida que nos carregam e nós a eles, instalam uma espécie de murmúrio contabilístico. Parece que nos põe diante de um passo para um mundo outro cuja beleza ou horror não podemos antever. Este mistério é que condiciona o nosso existir na recta final. Bem sei que é uma estupidez, considerando que para morrer basta termos nascido e a psicose da morte não faz bem aos sentidos, nem aos que estão próximos. Não posso antever o futuro e muito menos quantos anos ou dias ficarei neste reino abastado do mistério que o sucede. O que sei é que até agora o percurso tem decorrido montado na liberdade enquanto âncora absoluta da existência, sem entravo de saúde, o físico acompanhando a apologia quotidiana do espírito, planando até sobre as palavras, as ideias, a torrente de emoções que despejam sobre a vida o embalo amortecedor das dores gélidas irmãs da morte. Talvez tudo fosse diferente se não houvesse os livros, a escrita, o silêncio derramado sobre o lugar onde escolhi viver, solitário, enchendo as horas que alagam cada sensação, cada recordação, cada instante logo ultrapassado pelo chorrilho de realidades disparadas pelo meu cérebro sempre em efervescência: imagens, voos, mundos díspares, relâmpagos, formigueiros de páginas a encher, corpos disformes, luminescências, sustos, alcantis íngremes, nódoas aureoladas de sombras que se esfumam quando as noites se aproximam, entusiasmos que pusemos na arte de viver se atenuam e recorremos aos cafés para nos empanturramos do vazio que os habita... A verdade é que não é numa vida que realizamos os sonhos que nos construíram. Talvez precisemos da morte para o saldo definitivo e a consagração daquilo que ficou pelo caminho desenhado, mas nunca consumado. Tudo o que para nós mesmos projectamos, dissipou-se nas sombras que se aproximam e nos cercam da autêntica realidade – essa que nos escapa e só a conheceremos quando desistirmos de criar mundos nos vales profundos das auroras setentrionais. Encaremos, pois, o futuro abraçando a simplicidade pura dos dias e desconfiemos dos sábios e dos profetas que querem preparar-nos os amanhãs fictícios onde enterram a individualidade em favor da massa amorfa e indiferente. Pensando no amanhã e, sobretudo, neste diálogo que desejo ininterrupto, ofereci-me este novo layout com passagens que multiplicam e interligam outras plataformas comunicacionais, inclusive, o famoso facebook.