Quinta,
26.
Há
dias, numa roda de amigas e amigos, falaram-me eles de um programa transmitido
do Campo Pequeno, tendo por convidado um artista se possível do mais ordinário
que o mercado dos cómicos possua: Ghost,
se bem entendi. Na primeira sessão, foi presença aquela coisa que faz dó,
chamada José Castelo Branco. Seguiu-se um daqueles cómicos moralistas que
inundam as rádios e o próximo será o meu vizinho Toy. E em que canal se passam
estas coisas de um interesse irrecusável, recheadas de classe, arte e espírito
crítico elevado e humor inteligente? Adivinhem?
Claro, nesse mesmo. Enquanto ia ouvindo a indignação do grupo, pensava
na Piedade que é quem me traz as novidades da estação em primeira mão. Conclui
que os dejectos só deviam passar tarde na noite como mandam as normas de
higiene. Parece que o tema querido da multidão que entope as estruturas da
Praça de Touros, é o sexo nos seus aspectos mais asquerosos e sórdidos. Os
cómicos, que o devem praticar muito pouco, fazem uma espécie de catarse em
público. São cómicos porque o sexo canalha existe, de contrário nem chegariam a
ser cómicos, isto é, actores de si próprios. É evidente que em tudo isto está a
pressão do dinheiro, as audiências, a ambição vulgar, que os alcandora ao tecto
de uma sociedade pacóvia, que mal sabe falar, e se apoia no futebol como base
do conhecimento e da natureza humana civilizada e desenvolvida. É nesta cultura
da coisa alarve, comum, óbvia, animal que se apoiam os nossos cómicos,
discípulos de um tal Herman José, para quem o que as mulheres e, sobretudo, os
homens têm entre as pernas é a mina de ouro capaz de dar dinheiro a rodos a
toda a companhia de charlatães... O país é demasiado pequeno para tanto artista
despejado no mercado untuoso da ordinarice. Salva-se quem for mais nojento,
quem souber colher as graças de uma assistência nada exigente, para quem as
anedotas sujas fazem desobstruir o fígado martirizado por uma vida circunscrita
à monotonia difícil do quotidiano. No fim, espectadores e “figuras públicas”,
são tão reles que se irmanam em duas horas de mau-gosto inenarrável, mas onde
todos acabam por sair satisfeitos com sobredose de risos boçais, conversa
alarve e apimentada do que há de mais grosseiro.
Convém, contudo, não generalizar. Os
cómicos são uma aranha descontinuada de invectiva artística. Felizmente temos
ainda Actores que merecem a nossa estima e nos dão momentos de infinito prazer,
porque se desligam de si para vestirem a personagem que o seu talento sabe
recriar. Alguns: as sacrossantas Ana Bola e Maria Rueff, o divino Joaquim
Monchique, o abençoado Manuel Marques e
até o sacristão Eduardo Madeira que com o tempo se fez um bom cómico. Isto para
falar dos humoristas que enchem os ecrãs de televisão. E assim, embalado, vou
falar de um outro que se enquadra nesta categoria e começou por fazer um
programa muito curioso, sem tapete, na SIC, A
Nossa Terra, penso ser este o nome. Vi
por mero acaso uma parte e na semana seguinte todo, e depois outro até aquele
que é passado em Paris. Aí o pequeno cómico, com um sorriso sedutor,
inteligência sábia, de repente, escolhendo o popularucho, constrói um serão
bárbaro, em torno de um velho e uma velha que morreram em condições de uma
solidão extrema. Sem qualquer tipo de sensibilidade e respeito pelos mortos,
faz o programa à volta dos casos particulares em que apareceram os dois parisienses
nos seus domicílios, se tivermos por verdade aquilo que contaram as porteiras
portuguesas. Mourão andou muito mal, destruiu a competência que exibia ao fazer
de um programa sem estrutura, sem base, sem nada, num grande programa de
televisão sustentado na sua arte de entretenimento. Acossado pelas audiências
caiu na ordinarice, resvalou para a mesma vala dos seus congéneres da rádio, e
desistiu de utilizar a sensibilidade e a graça que lhe são naturais. Ficou tão
vulgar como todos os outros. Perdeu-me como espectador.
Esta gravura da Idade Média assenta como uma luva nos cómicos da nossa praça: sexo e cérebro vazios. |
- Prazer intenso dos primeiros
medronhos e dióspiros saboreados ainda debaixo da árvore às primeiras horas da
manhã!
- O Ministério Público acabou de
acusar 23 arguidos no processo do assalto a Tancos. O Ministro da Administração
Interna, Azeredo Lopes, foi um dos acusados de cumplicidade como, de resto, eu
aqui ventilei na altura. Outro foi o oficial da Casa Militar da Presidência da
República que no início dizia nada saber e depois veio-se a verificar o contrário.
Perante isto, mesmo considerando que Marcelo não é criminoso, custa-me a
acreditar que um homem, militar, da sua inteira confiança, não o tivesse posto
a par do que se estava a passar. Reafirmo: em política tudo é possível.