quinta-feira, setembro 26, 2019

Quinta, 26.
Há dias, numa roda de amigas e amigos, falaram-me eles de um programa transmitido do Campo Pequeno, tendo por convidado um artista se possível do mais ordinário que o mercado dos cómicos possua: Ghost, se bem entendi. Na primeira sessão, foi presença aquela coisa que faz dó, chamada José Castelo Branco. Seguiu-se um daqueles cómicos moralistas que inundam as rádios e o próximo será o meu vizinho Toy. E em que canal se passam estas coisas de um interesse irrecusável, recheadas de classe, arte e espírito crítico elevado e humor inteligente? Adivinhem?  Claro, nesse mesmo. Enquanto ia ouvindo a indignação do grupo, pensava na Piedade que é quem me traz as novidades da estação em primeira mão. Conclui que os dejectos só deviam passar tarde na noite como mandam as normas de higiene. Parece que o tema querido da multidão que entope as estruturas da Praça de Touros, é o sexo nos seus aspectos mais asquerosos e sórdidos. Os cómicos, que o devem praticar muito pouco, fazem uma espécie de catarse em público. São cómicos porque o sexo canalha existe, de contrário nem chegariam a ser cómicos, isto é, actores de si próprios. É evidente que em tudo isto está a pressão do dinheiro, as audiências, a ambição vulgar, que os alcandora ao tecto de uma sociedade pacóvia, que mal sabe falar, e se apoia no futebol como base do conhecimento e da natureza humana civilizada e desenvolvida. É nesta cultura da coisa alarve, comum, óbvia, animal que se apoiam os nossos cómicos, discípulos de um tal Herman José, para quem o que as mulheres e, sobretudo, os homens têm entre as pernas é a mina de ouro capaz de dar dinheiro a rodos a toda a companhia de charlatães... O país é demasiado pequeno para tanto artista despejado no mercado untuoso da ordinarice. Salva-se quem for mais nojento, quem souber colher as graças de uma assistência nada exigente, para quem as anedotas sujas fazem desobstruir o fígado martirizado por uma vida circunscrita à monotonia difícil do quotidiano. No fim, espectadores e “figuras públicas”, são tão reles que se irmanam em duas horas de mau-gosto inenarrável, mas onde todos acabam por sair satisfeitos com sobredose de risos boçais, conversa alarve e apimentada do que há de mais grosseiro.

         Convém, contudo, não generalizar. Os cómicos são uma aranha descontinuada de invectiva artística. Felizmente temos ainda Actores que merecem a nossa estima e nos dão momentos de infinito prazer, porque se desligam de si para vestirem a personagem que o seu talento sabe recriar. Alguns: as sacrossantas Ana Bola e Maria Rueff, o divino Joaquim Monchique,  o abençoado Manuel Marques e até o sacristão Eduardo Madeira que com o tempo se fez um bom cómico. Isto para falar dos humoristas que enchem os ecrãs de televisão. E assim, embalado, vou falar de um outro que se enquadra nesta categoria e começou por fazer um programa muito curioso, sem tapete, na SIC, A Nossa Terra, penso ser este o nome.  Vi por mero acaso uma parte e na semana seguinte todo, e depois outro até aquele que é passado em Paris. Aí o pequeno cómico, com um sorriso sedutor, inteligência sábia, de repente, escolhendo o popularucho, constrói um serão bárbaro, em torno de um velho e uma velha que morreram em condições de uma solidão extrema. Sem qualquer tipo de sensibilidade e respeito pelos mortos, faz o programa à volta dos casos particulares em que apareceram os dois parisienses nos seus domicílios, se tivermos por verdade aquilo que contaram as porteiras portuguesas. Mourão andou muito mal, destruiu a competência que exibia ao fazer de um programa sem estrutura, sem base, sem nada, num grande programa de televisão sustentado na sua arte de entretenimento. Acossado pelas audiências caiu na ordinarice, resvalou para a mesma vala dos seus congéneres da rádio, e desistiu de utilizar a sensibilidade e a graça que lhe são naturais. Ficou tão vulgar como todos os outros. Perdeu-me como espectador.

Esta gravura da Idade Média assenta como uma luva nos cómicos da nossa praça: sexo e  cérebro vazios. 

         - Prazer intenso dos primeiros medronhos e dióspiros saboreados ainda debaixo da árvore às primeiras horas da manhã!


         - O Ministério Público acabou de acusar 23 arguidos no processo do assalto a Tancos. O Ministro da Administração Interna, Azeredo Lopes, foi um dos acusados de cumplicidade como, de resto, eu aqui ventilei na altura. Outro foi o oficial da Casa Militar da Presidência da República que no início dizia nada saber e depois veio-se a verificar o contrário. Perante isto, mesmo considerando que Marcelo não é criminoso, custa-me a acreditar que um homem, militar, da sua inteira confiança, não o tivesse posto a par do que se estava a passar. Reafirmo: em política tudo é possível.