quarta-feira, setembro 18, 2019

Quarta, 18.
A descoberta de um novo autor é sempre não só arrebatadora como uma bênção considerando que é um amigo que se junta a nós não para nos proteger, mas para nos incentivar à descoberta de mundos interiores em conjugação com a irradiação misteriosa da decifração humana enquanto realidade una e indivisível. Assim é o caso de Philippe Claudel que vim a descobrir por acaso num livro da Poche com o título estranho L´Arbre du pays Toraja que devorei com exaltação. No fundo, trata-se de uma viagem pelo lado sombrio da vida, que acaba por ser o que mais luz difunde. A árvore de que fala o escritor que é também realizador de cinema, cresce na ilha Sulawesi (Celebes), situada entre a Bornéu e as Moluscas, na Indonésia. Aí vive o povo selvagem Toraja para quem a natureza é o deus que tudo regula, da nascença à morte. A tal ponto que a tribo Lana Toraja possui o poder de dar vida aos mortos, isto é, guardá-los por anos em casa como se estivessem vivos, alimentá-los, acomodá-los nas suas camas, falar-lhes, restituir-lhes todas as suas paixões, os seus desejos, e, sobretudo, o amor daqueles que em vida não se preparam para a reforma, mas para a morte. Algumas tribos, fazem da Toraja o mausoléu que guardará para a eternidade o ente querido que afinal de contas nunca morrerá.

Os corpos dos entes queridos mumificados 

A preparação para uma vida em companhia dos vivos

         Assim foi entre Philippe Claudel e o seu assistente Eugène. Após a morte deste, o realizador vai-lhe manifestar o seu amor através da memória – esse túmulo que guarda cada instante, cada sentimento, cada filigrana de saudade. Juntos pela arte e, acima de tudo pela descoberta da amizade, o livro não é mais que um canto, uma elegia, uma tentativa de compreender o lugar que os mortos têm no nosso destino, uma reinvenção da vida através dos alicerces sensíveis que nos mantêm unidos àqueles que nos deixaram. Neste aspecto, pode-se dizer que é uma obra de arte. A mim tocou-me tão profundamente, que equaciono a hipótese de fazer renascer Rui Gonçalves morto no final de O Juiz Apostolatos, espécie de segunda vida para Flávio Jardim inconfortável com o suicídio do amigo querido.

         - Parece que este verão delicioso quer retardar-se por mais umas semanas. Por mim pode estender-se até ao fim de Outubro de modo a que prossiga as braçadas fortes que têm sido privilégio quotidiano há três meses. Hoje andei todo o santo dia a dar serventia ao Brejnev, intercalando com a revisão do romance. Há sempre tanta coisa a fazer!  Afigura-se-me até que o trabalho aqui nunca acabará e viver numa quinta é experimentar o amargo e doce a todos os instantes. Se amasse o dinheiro como tantos políticos fanáticos, estava agora a viajar retirando sem cerimónia do milhão e meio de euros as delícias de um tempo descontraído.

         - Dois novos atentados no Afeganistão em período eleitoral. O primeiro, em Cabul, onde o Presidente discursava; o segundo, junto à embaixada dos EUA. Não se conhece ao certo o número de mortos, mas tudo indica passar as três dezenas. Desta vez houve mão da Talibãs.


         - A Espanha vai de novo a votos em Novembro. Como era previsível, o líder socialista não conseguiu entender-se com os parceiros da esquerda e o primeiro-ministro que eu acho sem nível para chefiar o país, saiu derrotado. É um homem oportunista, demagógico, com aquela mecha de arrogância própria dos fracos. Os espanhóis, povo heroico e genuíno, não se deixa enganar e faz bem.