Quarta,
18.
A
descoberta de um novo autor é sempre não só arrebatadora como uma bênção
considerando que é um amigo que se junta a nós não para nos proteger, mas para
nos incentivar à descoberta de mundos interiores em conjugação com a irradiação
misteriosa da decifração humana enquanto realidade una e indivisível. Assim é o
caso de Philippe Claudel que vim a descobrir por acaso num livro da Poche com o
título estranho L´Arbre du pays Toraja que
devorei com exaltação. No fundo, trata-se de uma viagem pelo lado sombrio da
vida, que acaba por ser o que mais luz difunde. A árvore de que fala o escritor
que é também realizador de cinema, cresce na ilha Sulawesi (Celebes), situada
entre a Bornéu e as Moluscas, na Indonésia. Aí vive o povo selvagem Toraja para
quem a natureza é o deus que tudo regula, da nascença à morte. A tal ponto que a
tribo Lana Toraja possui o poder de dar vida aos mortos, isto é, guardá-los por
anos em casa como se estivessem vivos, alimentá-los, acomodá-los nas suas
camas, falar-lhes, restituir-lhes todas as suas paixões, os seus desejos, e,
sobretudo, o amor daqueles que em vida não se preparam para a reforma, mas para
a morte. Algumas tribos, fazem da Toraja o mausoléu que guardará para a eternidade
o ente querido que afinal de contas nunca morrerá.
Os corpos dos entes queridos mumificados |
A preparação para uma vida em companhia dos vivos |
Assim foi entre Philippe Claudel e o
seu assistente Eugène. Após a morte deste, o realizador vai-lhe manifestar o
seu amor através da memória – esse túmulo que guarda cada instante, cada
sentimento, cada filigrana de saudade. Juntos pela arte e, acima de tudo pela
descoberta da amizade, o livro não é mais que um canto, uma elegia, uma
tentativa de compreender o lugar que os mortos têm no nosso destino, uma
reinvenção da vida através dos alicerces sensíveis que nos mantêm unidos
àqueles que nos deixaram. Neste aspecto, pode-se dizer que é uma obra de arte.
A mim tocou-me tão profundamente, que equaciono a hipótese de fazer renascer
Rui Gonçalves morto no final de O Juiz
Apostolatos, espécie de segunda vida para Flávio Jardim inconfortável com o
suicídio do amigo querido.
- Parece que este verão delicioso quer
retardar-se por mais umas semanas. Por mim pode estender-se até ao fim de
Outubro de modo a que prossiga as braçadas fortes que têm sido privilégio
quotidiano há três meses. Hoje andei todo o santo dia a dar serventia ao
Brejnev, intercalando com a revisão do romance. Há sempre tanta coisa a fazer! Afigura-se-me até que o trabalho aqui nunca
acabará e viver numa quinta é experimentar o amargo e doce a todos os
instantes. Se amasse o dinheiro como tantos políticos fanáticos, estava agora a
viajar retirando sem cerimónia do milhão e meio de euros as delícias de um
tempo descontraído.
- Dois novos atentados no Afeganistão
em período eleitoral. O primeiro, em Cabul, onde o Presidente discursava; o
segundo, junto à embaixada dos EUA. Não se conhece ao certo o número de mortos,
mas tudo indica passar as três dezenas. Desta vez houve mão da Talibãs.
- A Espanha vai de novo a votos em
Novembro. Como era previsível, o líder socialista não conseguiu entender-se com
os parceiros da esquerda e o primeiro-ministro que eu acho sem nível para
chefiar o país, saiu derrotado. É um homem oportunista, demagógico, com aquela
mecha de arrogância própria dos fracos. Os espanhóis, povo heroico e genuíno,
não se deixa enganar e faz bem.