quarta-feira, abril 01, 2020

Quarta, 1 de Abril.
O guru moderno que os políticos ouvem, de seu nome Yuval Noah Harari, alerta para aquilo a que chama “coronaditadura”, isto é, o aproveitamento de certos pantomineiros, que nem para ditadores possuem competência.  Aproveitando-se do ensaio chinês de exterminação de massas, querem suprimir direitos e liberdades dos povos que mal informados votaram neles. É o caso de Bolsonaro, Trump, Xi Jinping ping ping, Orbán, Putin. Uns fecharam os Parlamentos, outros decretaram supressões, usam o poder absoluto para manter os povos debaixo da sua pata. Hoje dizem uma coisa, amanhã o seu oposto. Os povos são rebanhos que eles conduzem pelas planícies dos seus vastos domínios.   

         - Por sobre isto, levanta-se surpreendentemente a fagulha da luz. Não obstante a nossa querida UE, mesmo nestes tempos tenebrosos, não se unir num projecto comum de ajuda aos necessitados e tocados pela peçonha, apesar dessa frieza holandesa, austríaca e alemã e do destemor, enfim, de António Costa ao fazer-lhes frente, gestos generosos são todos os dias praticados por pessoas anónimas e empresas privadas que tocam fundo no coração de todos nós. Ver aviões, TGVs, helicópteros transformados em veículos de transporte de enfermos, levando e trazendo doentes do Norte para o Sul e vice-versa, de país para país, ou pessoas comuns, muitos jovens, a cuidar do necessário aos idosos fechados em casa, restaurantes a confeccionar refeições para médicos e enfermeiros, que dão literalmente a vida pela vida dos seus doentes, toda esta rosácea sublime de amor e humanidade – e digo-o emocionado – não é mais que uma graça do céu. Estes benévolos, sem o saber cumprem estas palavras admiráveis de Montaigne: “A nossa maior e mais digna obra-prima é viver em sintonia. É uma perfeição absoluta e divina, saber desfrutar fielmente do seu estro.”

         - Estive a reler a entrevista que Maria do Céu Patrão Neves deu à excelente oportuna e inteligente Bárbara Reis. Do princípio ao fim, a bioeticista falou de Ética citando, inclusive, Kant. O pano de fundo foi a marcha da pandemia da Covid-19. Duas ou três reflecções se me impuseram. Se bem entendi, ante uma monstruosa calamidade, os critérios científicos no tratamento da doença, anulam os padrões éticos na escolha de quem vive ou tem (não digo deve) de morrer. Logo aqui me assustou porque este princípio só se aplica a quem não possuir meios financeiros, a quem não for rico para se socorrer de toda a parafernália medical. O outro “critério de selecção – diz Maria do Céu Neves -, continua a ser o da probabilidade de se obter mais e melhor vida”. Por outras palavras, os jovens. Um velho cheio de patologias e idade avançada, o melhor que lhe pode acontecer é pedir aos deuses que o recuperem. Trata-se de uma visão subjectiva, como se cada um de nós e a medicina em primeiro, pudessem calendarizar o dia da nossa morte. Ora, ninguém morre por ser idoso, nem em último caso por estar doente, mas por estar vivo. O critério de selecção do doente, é a própria vida e o direito a vivê-la até ao fim. MCPN vai buscar aquele episódio  ocorrido na Assembleia Nacional, era então Ministro da Saúde o homem que norteia hoje o destino da Caixa Geral de Depósitos e campeão de despedimentos, Paulo Macedo. Um paciente com hepatite C e pouca esperança de vida, grita “não me deixem morrer” quer ter acesso a fármacos caros que o Estado não queria adquirir. A televisão filmou, o país inteiro indignou-se, o corajoso doente foi ouvido e o medicamento salvou-lhe a vida, assim como a muitas dezenas de outros. A selecção terminou. Eticamente era insuportável utilizar o argumento da falta de verba, quando há sempre milhões de milhões para sustentar a banca. O oximoro neste caso é perfeito. Continuando: “Uma liberdade absoluta converter-se-ia em libertinagem – afirma a entrevistada para adiantar: – Toda a liberdade é situada no tempo, num espaço, numa circunstância. O exercício pleno da liberdade individual corresponde à máxima realização de si numa lúcida consciência das capacidades e percepção realista do contexto. Os filósofos convergem na afirmação de que a autonomia só é eticamente legítima se for consciente, livre e responsável.” Quer dizer deste universo estão automaticamente excluídos todos quantos não possuam a bagagem do filósofo. Quando, para mim, toda a liberdade de escolha é em si ética, ou deve ser, mas a ética é uma célula colectiva. “A liberdade individual só é moral se for universalizável.” Isto é uma fantasia, uma utopia, quando um ser livre tem em si a moral que lhe permite estar em consonância com o seu semelhante e ser-lhe útil em qualquer ocasião. Eu não preciso da moral universal – devo simplesmente entregar-me ao outro com a liberdade que me assiste que nessas circunstâncias, sim, é universal, livre e consciente. De tudo o que li, não gostei da asserção: “A liberdade absoluta é uma falácia.” Esta frase é muitas vezes utilizada pelos regimes totalitários e absolutos. Alguns chamam-lhe anarquismo. Os regimes extremos – fascistas e social-fascistas – montados neste paradigma cerceiam por séculos a liberdade colectiva e individual e não consta que conheçam a Ética.

         - Por dois dias o contador deste blogue desapareceu. Ressurgiu depois com menos 10 mil e tal entradas. Perguntei ao meu antigo criativo, Filipe, a causa: “Isso deve ter sido um ataque dos chineses.”   


         - O mundo está voltado do avesso, e o clima acompanha-o: faz frio, neva na Guarda, chove em Abril! Apesar disso, sem ter ido à rua por um minuto, trabalhei, sereno, neste diário, na leitura de Virginia Woolf e li algumas páginas do Schopenhauer, sempre à secretária a manta inglesa sobre os joelhos e uma vontade de atear fogo na lareira. Entretanto, se não ocupar horas neste registo, talvez possa retomar o romance. Ocorreu-me contar a história de Semyon, o matricida, na primeira pessoa. Curioso, experimento as mesmas dificuldades que tive com o Rés-do-Chão de Madame Juju que é um grande romance. São 17 horas e 42 minutos. Um fundo de Bach inunda a divisão onde trabalho. Não te esqueças que há milhares de teus concidadãos que sofrem.