Quarta,
1 de Abril.
O
guru moderno que os políticos ouvem, de seu nome Yuval Noah Harari, alerta para
aquilo a que chama “coronaditadura”, isto é, o aproveitamento de certos
pantomineiros, que nem para ditadores possuem competência. Aproveitando-se do ensaio chinês de
exterminação de massas, querem suprimir direitos e liberdades dos povos que mal
informados votaram neles. É o caso de Bolsonaro, Trump, Xi Jinping ping ping, Orbán,
Putin. Uns fecharam os Parlamentos, outros decretaram supressões, usam o poder
absoluto para manter os povos debaixo da sua pata. Hoje dizem uma coisa, amanhã
o seu oposto. Os povos são rebanhos que eles conduzem pelas planícies dos seus
vastos domínios.
- Por sobre isto, levanta-se
surpreendentemente a fagulha da luz. Não obstante a nossa querida UE, mesmo
nestes tempos tenebrosos, não se unir num projecto comum de ajuda aos
necessitados e tocados pela peçonha, apesar dessa frieza holandesa, austríaca e
alemã e do destemor, enfim, de António Costa ao fazer-lhes frente, gestos
generosos são todos os dias praticados por pessoas anónimas e empresas privadas
que tocam fundo no coração de todos nós. Ver aviões, TGVs, helicópteros
transformados em veículos de transporte de enfermos, levando e trazendo doentes
do Norte para o Sul e vice-versa, de país para país, ou pessoas comuns, muitos
jovens, a cuidar do necessário aos idosos fechados em casa, restaurantes a
confeccionar refeições para médicos e enfermeiros, que dão literalmente a vida
pela vida dos seus doentes, toda esta rosácea sublime de amor e humanidade – e
digo-o emocionado – não é mais que uma graça do céu. Estes benévolos, sem o
saber cumprem estas palavras admiráveis de Montaigne: “A nossa maior e mais
digna obra-prima é viver em sintonia. É uma perfeição absoluta e divina, saber
desfrutar fielmente do seu estro.”
- Estive a reler a entrevista que
Maria do Céu Patrão Neves deu à excelente oportuna e inteligente Bárbara Reis.
Do princípio ao fim, a bioeticista falou de Ética citando, inclusive, Kant. O
pano de fundo foi a marcha da pandemia da Covid-19. Duas ou três reflecções se
me impuseram. Se bem entendi, ante uma monstruosa calamidade, os critérios
científicos no tratamento da doença, anulam os padrões éticos na escolha de
quem vive ou tem (não digo deve) de morrer. Logo aqui me assustou porque este
princípio só se aplica a quem não possuir meios financeiros, a quem não for
rico para se socorrer de toda a parafernália medical. O outro “critério de
selecção – diz Maria do Céu Neves -, continua a ser o da probabilidade de se
obter mais e melhor vida”. Por outras palavras, os jovens. Um velho cheio de
patologias e idade avançada, o melhor que lhe pode acontecer é pedir aos deuses
que o recuperem. Trata-se de uma visão subjectiva, como se cada um de nós e a
medicina em primeiro, pudessem calendarizar o dia da nossa morte. Ora, ninguém
morre por ser idoso, nem em último caso por estar doente, mas por estar vivo. O
critério de selecção do doente, é a própria vida e o direito a vivê-la até ao
fim. MCPN vai buscar aquele episódio
ocorrido na Assembleia Nacional, era então Ministro da Saúde o homem que
norteia hoje o destino da Caixa Geral de Depósitos e campeão de despedimentos, Paulo
Macedo. Um paciente com hepatite C e pouca esperança de vida, grita “não me
deixem morrer” quer ter acesso a fármacos caros que o Estado não queria
adquirir. A televisão filmou, o país inteiro indignou-se, o corajoso doente foi
ouvido e o medicamento salvou-lhe a vida, assim como a muitas dezenas de
outros. A selecção terminou. Eticamente era insuportável utilizar o argumento
da falta de verba, quando há sempre milhões de milhões para sustentar a banca. O
oximoro neste caso é perfeito. Continuando: “Uma liberdade absoluta
converter-se-ia em libertinagem – afirma a entrevistada para adiantar: – Toda a
liberdade é situada no tempo, num espaço, numa circunstância. O exercício pleno
da liberdade individual corresponde à máxima realização de si numa lúcida
consciência das capacidades e percepção realista do contexto. Os filósofos
convergem na afirmação de que a autonomia só é eticamente legítima se for
consciente, livre e responsável.” Quer dizer deste universo estão
automaticamente excluídos todos quantos não possuam a bagagem do filósofo. Quando,
para mim, toda a liberdade de escolha é em si ética, ou deve ser, mas a ética é
uma célula colectiva. “A liberdade individual só é moral se for
universalizável.” Isto é uma fantasia, uma utopia, quando um ser livre tem em si
a moral que lhe permite estar em consonância com o seu semelhante e ser-lhe
útil em qualquer ocasião. Eu não preciso da moral universal – devo simplesmente
entregar-me ao outro com a liberdade que me assiste que nessas circunstâncias,
sim, é universal, livre e consciente. De tudo o que li, não gostei da asserção:
“A liberdade absoluta é uma falácia.” Esta frase é muitas vezes utilizada pelos
regimes totalitários e absolutos. Alguns chamam-lhe anarquismo. Os regimes
extremos – fascistas e social-fascistas – montados neste paradigma cerceiam por
séculos a liberdade colectiva e individual e não consta que conheçam a Ética.
- Por dois dias o contador deste
blogue desapareceu. Ressurgiu depois com menos 10 mil e tal entradas. Perguntei
ao meu antigo criativo, Filipe, a causa: “Isso deve ter sido um ataque dos
chineses.”
- O mundo está voltado do avesso, e o
clima acompanha-o: faz frio, neva na Guarda, chove em Abril! Apesar disso, sem
ter ido à rua por um minuto, trabalhei, sereno, neste diário, na leitura de Virginia
Woolf e li algumas páginas do Schopenhauer, sempre à secretária a manta inglesa
sobre os joelhos e uma vontade de atear fogo na lareira. Entretanto, se não
ocupar horas neste registo, talvez possa retomar o romance. Ocorreu-me contar a
história de Semyon, o matricida, na primeira pessoa. Curioso, experimento as
mesmas dificuldades que tive com o Rés-do-Chão
de Madame Juju que é um grande romance. São 17 horas e 42 minutos. Um fundo
de Bach inunda a divisão onde trabalho. Não te esqueças que há milhares de teus
concidadãos que sofrem.