Segunda,
27.
Suspendi às 483 palavras esta manhã o romance. Não quero forçar o meu cérebro. Sei como
ele sofre quando o coajo a exprimir-se como uma máquina impressora que vai amontoando
as páginas impressas. Desta vez não tenho pressa. Sei que a escrita de O Matricida vai ser dolorosa, difícil e
lenta e, nestas condições, tenho de estar em alerta para não resvalar para a
tensão e daí à depressão. Mesmo assim, pouco depois de uma hora de trabalho,
tive de enfiar um Valdispert.
- Eu tenho uma colossal reserva quanto
aos advogados. A quase todos não é a aplicação da justiça que lhes interessa,
são as somas astronómicas que daí resultam. Uma maioria dos advogados é muito
pouco instruída, mas há uma coisa que eles decoraram - as leis. Basta ler uma
carta por eles remetida a um constituinte, para nos apercebermos do seu saber. As
leis bem encerebradas são o seu poder e com frequência a mim atiram-me: “Oh,
meu caro de leis percebo eu!” Mas perceber é uma coisa, e interpretá-las e
ajustá-las à justiça outra. A primeira é automática e qualquer um que saiba ler
as vomita; a segunda faz apelo à inteligência e ao coração. Eles são
pragmáticos: “é da lei” e está tudo dito. Que pobreza de espírito, santo Deus!
- Carlos telefonou. Longa cavaqueira
sobre a sua genialidade de artista. Eu acabei de emoldurar dois magníficos
desenhos que ele me ofereceu e tão satisfeito estava com o resultado, que até
lhe propus devolver-lhos. “O que se oferece, oferecido está.” Falei com a Alice, o
Fortuna. E fui de roçadora atacar uma parte distante da quinta até à figueira maior.
O mato aí é assustador. Mas não quero que o homem que virá cuidar do terreno chegue àquela zona, porque o ano passado rompeu-me o cano que trata a água da
piscina. Tempo dividido: de manhã encoberto, á tarde uma poeira densa de sol. O
Filipe que viu a foto da moda Covid-19, diz que eu pareço uma freira. Respondi
que o coronavírus detesta as freiras – é fervoroso adepto de Xinping ping ping.