segunda-feira, abril 13, 2020

Segunda, 13.
Uma boa hora de trabalhos no campo, sem abandonar o meu presbitério. Fi-lo de manhã porque as tardes deixam-me alagado de cansaço e transpiração. Não renuncio a pensar no fracasso que eu sou, incapaz de começar o romance, perdido nestas coisinhas sem importância para mim nem para ninguém. E todavia. Há um invólucro de murmúrio no meu cérebro que inventa cenas, faz falar personagens, constrói um mundo que as palavras se recusam a passar ao papel. É uma tortura permanente, um desânimo, uma morte que me ronda. Só pela escrita consigo transmitir este pesar; em face dos outros, ao telefone, sou todo optimismo, luz, deslumbre. Como se isto fosse o luto que não ouso contar a ninguém. A tentativa mais credível, comecei-a a 10 de Fevereiro e a partir daí, hesitações sobre hesitações, tentativas abortadas, transitoriedades da vida, desfalecimentos.

         - Talvez o clima social não ajude. Ou pelo menos gostava de pensar que assim é. Porque editores e leitores terão outras preocupações nesta altura em que morrem todos os dias cá e pelo mundo fora centenas de pessoas e milhares dão entrada nos hospitais. A vida está sobrevalorizada, toma a dianteira sobre a arte, sobre o pensamento político, e até para muitos o religioso. A luta é corpo a corpo com o sofrimento. Deus parece também Ele perdido, como me aconteceu quando pela primeira e única vez estive num hospital e queixei-me a Deus por não O ter sentido presente. Não era na morte que eu pensava, era nas dores terríveis que me tolhiam o pensamento e o corpo, me desligavam do mínimo de dignidade, me entregavam à miséria em que fora transformado. Como se a dor precisasse de espaço, de muito espaço, como diz Marguerite Duras. A fronteira entre a vida e a morte, é hoje uma tira de pele finíssima. Quem briga contra a morte não o faz porque quer a vida, mas porque essa zona, esse campo de batalha, é o que lhe resta disputar ao invasor – um deles vai ter que ficar de um dos lados. Nascemos sós como recordava outro dia o filósofo António Castro Caeiro, e vamos morre sós. Ab utero matris incipis mori. Não nos habituamos a esta verdade. Não nos organizamos como não preparamos os outros para morrer. A morte para a vida não existe. E no entanto todos os vivos estão condenados a morrer. Essa é a única e irreversível verdade. Quando conseguirmos aceitar a morte como conclusão natural da vida, viveremos mais felizes, mais calmos, com o sentimento inebriante de havermos vivido em pleno.

         - Falei com o António Carmo apoquentado “com esta porra que me apanha com 71 anos”. Respondi: “O que é que interessa os setenta anos para viver ou morrer, não me dizes? – Talvez tenhas razão.”


              - Demoremo-nos a olhar a beleza da arte nas suas diversas formas e naturezas. A do Guilherme que ainda se lembra da Páscoa e envia esta maravilha; a do Lago Hallwil, nos alpes suíços, onde mora outro  amigo pintor, Werner.