Segunda,
13.
Uma
boa hora de trabalhos no campo, sem abandonar o meu presbitério. Fi-lo de manhã
porque as tardes deixam-me alagado de cansaço e transpiração. Não renuncio a
pensar no fracasso que eu sou, incapaz de começar o romance, perdido nestas
coisinhas sem importância para mim nem para ninguém. E todavia. Há um invólucro
de murmúrio no meu cérebro que inventa cenas, faz falar personagens, constrói
um mundo que as palavras se recusam a passar ao papel. É uma tortura
permanente, um desânimo, uma morte que me ronda. Só pela escrita consigo transmitir
este pesar; em face dos outros, ao telefone, sou todo optimismo, luz,
deslumbre. Como se isto fosse o luto
que não ouso contar a ninguém. A tentativa mais credível, comecei-a a 10 de
Fevereiro e a partir daí, hesitações sobre hesitações, tentativas abortadas, transitoriedades
da vida, desfalecimentos.
- Talvez o clima social não ajude. Ou pelo
menos gostava de pensar que assim é. Porque editores e leitores terão outras
preocupações nesta altura em que morrem todos os dias cá e pelo mundo fora
centenas de pessoas e milhares dão entrada nos hospitais. A vida está
sobrevalorizada, toma a dianteira sobre a arte, sobre o pensamento político, e
até para muitos o religioso. A luta é corpo a corpo com o sofrimento. Deus
parece também Ele perdido, como me aconteceu quando pela primeira e única vez
estive num hospital e queixei-me a Deus por não O ter sentido presente. Não era
na morte que eu pensava, era nas dores terríveis que me tolhiam o pensamento e
o corpo, me desligavam do mínimo de dignidade, me entregavam à miséria em que fora
transformado. Como se a dor precisasse de espaço, de muito espaço, como diz Marguerite
Duras. A fronteira entre a vida e a morte, é hoje uma tira de pele finíssima.
Quem briga contra a morte não o faz porque quer a vida, mas porque essa zona,
esse campo de batalha, é o que lhe resta disputar ao invasor – um deles vai ter
que ficar de um dos lados. Nascemos sós como recordava outro dia o filósofo António
Castro Caeiro, e vamos morre sós. Ab
utero matris incipis mori. Não nos habituamos a esta verdade. Não nos
organizamos como não preparamos os outros para morrer. A morte para a vida não
existe. E no entanto todos os vivos estão condenados a morrer. Essa é a única e
irreversível verdade. Quando conseguirmos aceitar a morte como conclusão
natural da vida, viveremos mais felizes, mais calmos, com o sentimento
inebriante de havermos vivido em pleno.
- Falei com o
António Carmo apoquentado “com esta porra que me apanha com 71 anos”. Respondi:
“O que é que interessa os setenta anos para viver ou morrer, não me dizes? –
Talvez tenhas razão.”
- Demoremo-nos
a olhar a beleza da arte nas suas diversas formas e naturezas. A do Guilherme
que ainda se lembra da Páscoa e envia esta maravilha; a do Lago Hallwil, nos
alpes suíços, onde mora outro amigo pintor, Werner.