Quinta,
9.
O
grande acontecimento que por aqui plana, como orquestra a encher os ares, é a
chegada do cuco. Apareceu ontem e o seu canto, quer-me parecer, é este ano mais
próximo da casa e com tal nitidez que me enche de alegria – é a presença
sagrada nesta Semana Santa recolhida.
- Fui às compras. Um horror. Fugi e
voltei para casa tocado a chuva constante. Filas enormes, seguranças
atarantados, muitos carros nas estradas, todos têm medo que lhes falte o
borrego na mesa. O coronavírus chinês ri-se deste triste espectáculo, os senhores
da televisão esfregam as mãos de contentamento - têm reportagens gratuitas. A
propósito, há uns oito dias que não vejo os noticiários portugueses. Cresci em
inteligência e serenidade. Ontem ao serão Echappés
Belles na ilha de Java, que maravilha! Jérôme Pitorin, impecável.
- Ainda mantenho na mesa baixa do
salão, o Journal intégral de Julien
Green. De vez em quando, deito uma olhada aos sublinhados e anotações. Encontro
sempre um laivo do escritor que me é caro. Sobretudo aquele que não se ajeitou
às teorias burguesas e conservou um barbante de revolta e anticonformismo. Como nestas passagens:
“J´ai reagi contre une première éducation religieuse où la pureté m´était
proposée come la plus belle des vertus. On m´a appris à révérer. C´est pour
cela sans doute que je suis allé si loin dans le sens opposé. Il y avait autre
chose à faire que l´élever ces digues autour de moi, ou alors il fallait
prévoir un désastre le jour où elles céderaient. Il ne fallait pas situer tout
le mal dans ce qui m´attirait (os rapazes) si fort. » (1933, pág. 558)
Sobre essa coisa pacóvia da nacionalidade : « Toujours
cette irritante question des nationalités, irritante et au fond si peut
importante. Je rends grâce à Dieu de ce que n´étant pas français, je ne sois
pas obligé d´être raisonnable ou spirituel, allemand : guerrier,
italien : artiste, etc. Il suffit que je sois un homme ; je n´ai pas
besoin de me façonner un caractère dans le caractère national, mais parfois une
impression de parenté avec certaines races ; il se peut que cette
impression soit artificielle. » (1932, pág. 474)
Il faut que
l´individu se dise : ´je ne veux pas qu´il y ait la guerre´ et la
guerre non se fera pas. Il faut que l´individu se révolte contre l´État, s´il
ne veut pas mourir. Aujourd´hui, l´individu pense : ´Á quoi bon ? Ils
sont trop.´ Mais le jour où un honnête homme se compromettra en refusant de
servir l´État, il sera suivi, à coup sûr, et à coup sûr exécuté. (…) L´État n´a
pas le droit de leur demander de mourir pour défendre les intérêts de la haute
finance et de l´industrie. (…) Le communisme pouvait imposer cette façon de
penser. Il a manqué à sa vocation. Les armements russes retardent le progrès de
l´humanité plus peut-être que les armements de l´Allemagne. Mais il y a aussi
le destin des peuples. » (1935, pág. 908)
- São 17,34. Uma clareira leitosa
acabou de abrir no céu da tarde que começa a declinar. As notícias do Público são assustadoras. Escrevo à secretária num misto de presságios e leve
esperança. Falei ao telefone com o João Biancar, Guilherme Parente e Conceição.