quinta-feira, abril 09, 2020

Quinta, 9.
O grande acontecimento que por aqui plana, como orquestra a encher os ares, é a chegada do cuco. Apareceu ontem e o seu canto, quer-me parecer, é este ano mais próximo da casa e com tal nitidez que me enche de alegria – é a presença sagrada nesta Semana Santa recolhida.  

         - Fui às compras. Um horror. Fugi e voltei para casa tocado a chuva constante. Filas enormes, seguranças atarantados, muitos carros nas estradas, todos têm medo que lhes falte o borrego na mesa. O coronavírus chinês ri-se deste triste espectáculo, os senhores da televisão esfregam as mãos de contentamento - têm reportagens gratuitas. A propósito, há uns oito dias que não vejo os noticiários portugueses. Cresci em inteligência e serenidade. Ontem ao serão Echappés Belles na ilha de Java, que maravilha! Jérôme Pitorin, impecável.

         - Ainda mantenho na mesa baixa do salão, o Journal intégral de Julien Green. De vez em quando, deito uma olhada aos sublinhados e anotações. Encontro sempre um laivo do escritor que me é caro. Sobretudo aquele que não se ajeitou às teorias burguesas e conservou um barbante de revolta e anticonformismo.  Como nestas passagens:

         “J´ai reagi contre une première éducation religieuse où la pureté m´était proposée come la plus belle des vertus. On m´a appris à révérer. C´est pour cela sans doute que je suis allé si loin dans le sens opposé. Il y avait autre chose à faire que l´élever ces digues autour de moi, ou alors il fallait prévoir un désastre le jour où elles céderaient. Il ne fallait pas situer tout le mal dans ce qui m´attirait (os rapazes) si fort. »  (1933, pág. 558)

         Sobre essa coisa pacóvia da nacionalidade :  « Toujours cette irritante question des nationalités, irritante et au fond si peut importante. Je rends grâce à Dieu de ce que n´étant pas français, je ne sois pas obligé d´être raisonnable ou spirituel, allemand : guerrier, italien : artiste, etc. Il suffit que je sois un homme ; je n´ai pas besoin de me façonner un caractère dans le caractère national, mais parfois une impression de parenté avec certaines races ; il se peut que cette impression soit artificielle. » (1932, pág. 474)      
        Il faut que l´individu se dise : ´je ne veux pas qu´il y ait la guerre´ et la guerre non se fera pas. Il faut que l´individu se révolte contre l´État, s´il ne veut pas mourir. Aujourd´hui, l´individu pense : ´Á quoi bon ? Ils sont trop.´ Mais le jour où un honnête homme se compromettra en refusant de servir l´État, il sera suivi, à coup sûr, et à coup sûr exécuté. (…) L´État n´a pas le droit de leur demander de mourir pour défendre les intérêts de la haute finance et de l´industrie. (…) Le communisme pouvait imposer cette façon de penser. Il a manqué à sa vocation. Les armements russes retardent le progrès de l´humanité plus peut-être que les armements de l´Allemagne. Mais il y a aussi le destin des peuples. » (1935, pág. 908)   

         - São 17,34. Uma clareira leitosa acabou de abrir no céu da tarde que começa a declinar. As notícias do Público são assustadoras. Escrevo à secretária num misto de presságios e leve esperança. Falei ao telefone com o João Biancar, Guilherme Parente e Conceição.