quarta-feira, junho 21, 2017

Quarta, 21.
Paguei a factura da electricidade e dirigi, instantaneamente, uma prece ao secretário de Estado da Energia, senhor Jorge Sanches, pedindo-lhe que não renuncie a pôr os PDGs do monstro chinês na ordem. Ele disse outro dia à TSF, que não tinha medo da EDP. Por outro lado, toda a sua acção tem sido pautada pela defesa dos consumidores e da justiça. Eu que raramente elogio um político, espero agora não vir a tapar a cara de vergonha como já me aconteceu quando enalteci um ou outro político de pronto estatelado nos frontispícios dos jornais por corrupto e ladrão.

         - A tragédia de Pedrógão ainda exalta e revolta. Enquanto o fogo não foi de todo extinto, mexem-se os seres que dele escaparam, para dizer de sua justiça. Parece que há muito para apurar. A começar pela mentira posta a circular de que o fogo foi obra da natureza quando sobre uma árvore a rasgou de alto a baixo e espalhou assim o terror. Ao que tudo indica, já duas horas antes andavam terras a arder com a assinatura de um ou mais criminosos. Assim também o trabalho da GNR que atirou para a morte cinquenta e tal automobilistas que fizeram confiança nas indicações da polícia e seguiram por uma estrada que ficou batizada por “estrada da morte”. Ou ainda a forma rude e violenta como alguns agentes deram ordem de evacuação das suas casas a compatriotas tomados do terror. Por sobre tudo isto, o que se percebe é que existiu muito amadorismo. Espero que o Presidente da República e o Primeiro-Ministro, assim como a ministra da pasta apurem com independência o que se passou. Porque de blá-blá está o inferno cheio. E já agora de minutos de silêncio pelas vítimas que não passam de folclore.

         - A realidade porém, só é perceptível quando temos de a enfrentar no dia-a-dia. Vou dar-lhes um exemplo. Ontem, quando cheguei a Sete Rios, pelas 10,30, quis tomar o metro. Uma barreira impedia a multidão de acesso à gare. “O metro não anda porque de manhã alguém se atirou à linha”, era o que ouvia dizer. Voltei à superfície em busca de um autocarro que me deixasse no Chiado. Diz-me um condutor: “Atravesse para o outro lado e vá no 58.” Assim fiz. Qual barata tonta, de nariz no ar, procuro o 58. Dirijo-me a uma senhora que me informa ter de caminhar mais um pouco “até à paragem do 58 para lá da estação do metro”. Sigo a sua indicação. Calor insuportável, gente agitada e revoltada. Numa curva perigosa, vejo, enfim, uma paragem. Alguns passageiros aguardam, na sua maioria africanos extasiados de olhos esbugalhados nos telemóveis que não largam por um minuto. Indago de um deles se é ali a paragem do 58. Ele responde que sim, sem me dirigir o olhar. Mas eu observo, soletro todas as carreiras e só vejo 756. Insisto: “Mas aqui não há nenhuma indicação desse autocarro! O que vejo é 758 e 703...” É uma branca cavernosa que eu tinha do meu lado esquerdo e por duas vezes me afastei porque a mulher não parava de espirrar e tossir sem protecção, que me diz: “Ó senhor, o 58 é o 758” Encolho-me. Registo que este não é o meu mundo e disfarço observando o garrafal prédio que tenho na frente. Daí a meia hora, volto à carga mais afastado do rosto de fome da criatura: “Sabe a que horas passa o autocarro. Estou aqui há meia-hora já... Interrompe-me ela muito despachada: “Olhe e eu há uma hora! Então não sabe como é a Carris!” De facto, não sabia. Esperei, sob um sol tenebroso, sem uma aragem, sempre de olho nos poucos táxis que passavam... cheios. Daí a vinte minutos, pára, enfim, o 758, perdão, 58. Vem atulhado como sardinha, uma algazarra lá dentro, todos a empurrarem-se e a barafustarem. Não havia espaço para mais ninguém, porque nenhum passageiro saiu. Os que queriam entrar, meteram bucha e vai daí, por pressão, conseguiram alinhar o cadáver no fio estreito do corredor, ante a indiferença do condutor a quem ninguém (nem eu) comprou bilhete. Felizmente que a carroça do peixe tinha um óptimo ar condicionado. No percurso por uma cidade que eu não conheço, foi entrando mais passageiros, de mochilas nas costas a abrir caminho e a sacolejar as velhas frágeis que gritavam ais convencionais e vitupérios apimentados. Chegados, sem eu saber como, às Amoreiras senti-me seguro e dali até ao Chiado foi como se voltasse a viver nos espaços onde cresci e conheço como a mim mesmo. Moral da história: esta é a Carris que o Presidente da Câmara de Lisboa chamou a si... comprando-a. 

         - Esta ladainha, traz uma outra: a debilidade do português que hoje é falado. De súbito, o português que se ouve nas ruas e na televisão, é uma manta de retalhos, esburacada, no limite do vocábulo, construído por analfabetos e gente da sargeta. A história do 758 amputado do primeiro número, é a mesma daquela expressão que se escuta e nos estupidifica até dizer chega. Dois tipos encontram-se: “Tá tudo? Tudo – responde o outro.” Parece conversa de atrasados mentais, de miúdos rigolôs, de bêbedos, de alguém que optou por falar com um número mínimo de palavras e se possível apenas por gestos.


         - O calor deu hoje tréguas. Aproveitei para fazer alguns trabalhos no campo e, sobretudo, varrer da casa o bafo doentio que se tinha instalado. Não sei como as hortências têm suportado! Rego-as de manhã apenas e ao fim do dia estão como alcoolizadas de cara à banda e corpo encolhido. Mas quando desço do sono felizmente directo de sete horas, estão de novo sorridentes, frescas, rosadas, lindas de morrer e pedindo mansamente a ração líquida do dia. Vou mergulhar na sopinha tépida.