quinta-feira, junho 22, 2017

Quinta, 22.

Hortências. Estas duas, sendo lésbicas, sussurram noite e dia entre si coisas de encantar, soltam pequenos suspiros, entregam-se a carícias quando o dia declina e ninguém se chega perto delas. O vento manso que então ciranda, empurra-as para admirar a lua sua irmã em confidências. A mais alta e mais velha, fica horas amolecida a admirar a beleza da mais nova, que ainda não exibe os dotes sensuais que o tempo haverá de trazer para excitar as duas. Às vezes, perdido de preguiça, fico horas a tentar decifrar o que a mais alta, debruçada, diz ao ouvido da mais nova. O vento que é muitas vezes brejeiro, junta-as num beijo descarado que arranca da mais pequena um riso tímido feito da doce melopeia das noites luxuriantes, húmidas de murmúrios e santificadas pela concupiscência do pecado original. As parceiras da frente, em gomos floridos, muito aconchegadas umas às outras, olham-nas com desconfiança e uma certa curiosidade que denuncia mais do que esconde. Elas no seu canto, sentindo-se cobiçadas, rolam um sorriso doce, os olhinhos rosa a chamejar como pavios perdidos num rio em chamas. Ao contrário das outras, as duas conservam até muito tarde o charme e elegância que as demais vão resignando ao fio do tempo pelas tardes abafadas de calor. Folhos acastanhados misturam-se nos caracóis antes brilhantes e soberbamente rosas com luminescências brancas e asas verdes. Não são velhas – as duas é que são deslumbrantemente bonitas, geminadas por uma espécie de felicidade que as enche do júbilo encantatório que cada uma desfruta pela outra.  Em certas noites de luar claro e brilhante, quando o campo toma a forma das manhãs mal acordadas, oiço-as no meu quarto a cantar canções de embalar a que os pássaros, não podendo sossegar, se associam. Quase sempre, na sequência dessa luxúria harmoniosa, quando desço, vou observá-las no sono leve que é o seu. As pétalas têm estigmatizadas as estrelas que a noite se esqueceu ou não quis remover. A mais nova, assim enfeitada, pronta para ser o sol da outra que ainda dorme um sono solto, pisca-me levemente o olhou como a transmitir-me a bem-aventurança que a outra depositou nela. A mais alta, querendo juntar-se à confidência, acorda, estende o pescoço esguio, balouça em todos os sentidos os braços verdes de esperança, e descai um bom dia num tom doce que a amiga retribui com um aceno para mim imperceptível, mas de tal modo avassalador que ambas se abraçam descaradamente, indiferentes à minha presença. É nessa altura que começo com fio de água cristalino a encharcar-lhes os pés delicados. Há logo um frison de prazer, a tal ponto que o caramanchão das invejosas que ornam o tanque, decidem agitar-se em uníssono reclamando o mesmo tratamento. Mas eu estou que não posso de satisfação e fico por largo tempo extasiado a vê-las mover os pezinhos frágeis num subentendido de toques que as inflamam e contribuem para derramar na manhã luminosa um raio incandescente de cumplicidade. O que acontece à tarde, já não pertence ao registo da manhã e eu, enquanto depositário dos segredos que o presbitério guarda, não estou autorizado a abrir o salmo que a coscuvilhice adora partilhar. Por isso, caluda.