Quinta,
22.
Hortências.
Estas duas, sendo lésbicas, sussurram noite e dia entre si coisas de encantar,
soltam pequenos suspiros, entregam-se a carícias quando o dia declina e ninguém
se chega perto delas. O vento manso que então ciranda, empurra-as para admirar
a lua sua irmã em confidências. A mais alta e mais velha, fica horas amolecida a
admirar a beleza da mais nova, que ainda não exibe os dotes sensuais que o
tempo haverá de trazer para excitar as duas. Às vezes, perdido de preguiça,
fico horas a tentar decifrar o que a mais alta, debruçada, diz ao ouvido da
mais nova. O vento que é muitas vezes brejeiro, junta-as num beijo descarado
que arranca da mais pequena um riso tímido feito da doce melopeia das noites
luxuriantes, húmidas de murmúrios e santificadas pela concupiscência do pecado
original. As parceiras da frente, em gomos floridos, muito aconchegadas umas às
outras, olham-nas com desconfiança e uma certa curiosidade que denuncia mais do
que esconde. Elas no seu canto, sentindo-se cobiçadas, rolam um sorriso doce,
os olhinhos rosa a chamejar como pavios perdidos num rio em chamas. Ao
contrário das outras, as duas conservam até muito tarde o charme e elegância que
as demais vão resignando ao fio do tempo pelas tardes abafadas de calor. Folhos
acastanhados misturam-se nos caracóis antes brilhantes e soberbamente rosas com
luminescências brancas e asas verdes. Não são velhas – as duas é que são
deslumbrantemente bonitas, geminadas por uma espécie de felicidade que as enche
do júbilo encantatório que cada uma desfruta pela outra. Em certas noites de luar claro e brilhante,
quando o campo toma a forma das manhãs mal acordadas, oiço-as no meu quarto a
cantar canções de embalar a que os pássaros, não podendo sossegar, se associam.
Quase sempre, na sequência dessa luxúria harmoniosa, quando desço, vou observá-las
no sono leve que é o seu. As pétalas têm estigmatizadas as estrelas que a noite
se esqueceu ou não quis remover. A mais nova, assim enfeitada, pronta para ser
o sol da outra que ainda dorme um sono solto, pisca-me levemente o olhou como a
transmitir-me a bem-aventurança que a outra depositou nela. A mais alta,
querendo juntar-se à confidência, acorda, estende o pescoço esguio, balouça em
todos os sentidos os braços verdes de esperança, e descai um bom dia num tom
doce que a amiga retribui com um aceno para mim imperceptível, mas de tal modo
avassalador que ambas se abraçam descaradamente, indiferentes à minha presença.
É nessa altura que começo com fio de água cristalino a encharcar-lhes os pés
delicados. Há logo um frison de
prazer, a tal ponto que o caramanchão das invejosas que ornam o tanque, decidem
agitar-se em uníssono reclamando o mesmo tratamento. Mas eu estou que não posso
de satisfação e fico por largo tempo extasiado a vê-las mover os pezinhos
frágeis num subentendido de toques que as inflamam e contribuem para derramar na
manhã luminosa um raio incandescente de cumplicidade. O que acontece à tarde,
já não pertence ao registo da manhã e eu, enquanto depositário dos segredos que
o presbitério guarda, não estou autorizado a abrir o salmo que a coscuvilhice
adora partilhar. Por isso, caluda.