Domingo,
4.
Sexta-feira
almocei com o João Corregedor e o Carlos na Adega da Mó. Carlos foi contido no
álcool como, de resto, havia sido cá em casa quando na véspera almoçou. João
levou-nos depois ao café da livraria Ferin e aí, protegidos da canícula que
fazia lá fora, pudemos conversar até à meia tarde. Três refinados tagarelas é o
que se me oferece dizer. Os temas foram tantos vindos no arrasto ululante dos
sons e dos ímpetos, que não tenho talento para os tratar nestas páginas. Sendo
já cinco horas, era nosso propósito separarmo-nos ali. Mas eu disse que ainda
ia deitar um olho aos livros na fnac. Logo eles quiseram vir comigo. Depois,
não sei a que propósito, eu comecei a falar de Madame Juju. João aguçou os
ouvidos, Carlos abriu muito os olhos. Durante um certo tempo, encostados ao
balcão de atendimento dissequei o conteúdo político-social que o romance encerra.
João, atento, escutava, num interesse parecido com o do Simão quando em Roma
lhe transmiti as bases da história que havia por duas ou três vezes começado e outras
tantas renunciado a escrever. “Vamo-nos sentar ali no café porque já não posso
das pernas”, propôs Corregedor prontamente seguido por Carlos que também
padecia do mesmo mal. A curiosidade do nosso deputado recrudesce, quando lhe
explico – e foi a primeira pessoa a quem eu conto – a génese de uma personagem.
(Stop. Daqui não passo, deixando para os leitores em livro o conteúdo que se
seguiu e nos levou até quase às oito da noite.)
- Carlos Soares, ofereceu-me uma
brochura da última exposição que fez. Eu conhecia os seus desenhos que
antecipam a Terra e a Humanidade para daqui a dois milhões de anos, mas
desconhecia as suas esculturas. Devo dizer que fiquei li-te-ral-men-te pasmado!
Que beleza! Que pureza! Que luminosidade! Que profundidade! Que modernidade
atravessada de um classicismo rigoroso, servido por um diálogo que nos suspende
entre o místico e o desafio de linhas de uma perfeição intocável! Pedi-lhe para
ver as peças e marquei com o Corregedor uma ida ao seu atelier, na Lapa,
quarta-feira. Trouxe-me para cima de cinquenta desenhos, eróticos e loucos, onde
traça o futuro e expõe o mundo daqui a dois milhões de anos. Tudo aquilo é uma
loucura, uma devassidão, uma pouca vergonha que não dá tréguas à imaginação e
tece em traço rigoroso um conjunto obsessivo de curvas que se precipitam para o
abismo. É, paradoxalmente, um diálogo místico, feito em sombras e fantasmagorias,
que revela um artista apurado, um ser humano encantador, um pintor que sabe
desenhar como sei de poucos. Descobri que entretém com as osgas conversas
infindas, sobretudo quando elas se metamorfoseiam em Leonardo Da Vinci, e lhe
indicam as dúvidas que a arte sabe ocultar quando o artista em diálogo a
instiga. Eu também sou um amante das osgas e quando as vejo no meu quarto, falo
com elas e chego a pedir-lhes que não abandonem as paredes e velem pelo meu
sono comendo os mosquitos que, embora não me picando, me silvam os ouvidos
acordando-me. O desenho que me ofereceu e vou emoldurar, ficará como o diamante
de uma amizade que o tempo não extinguirá. Quem vir aquele ser estranho, de
olhos azuis e mente brilhante, não dirá que vai ali um ser humano encantador,
culto, arrebatado, por vezes impulsivo e sempre inteiro, criatura primeira de
Deus que ele ama e O deve estimar como a poucos. Nos seus desenhos, no meio do
caos, surge muitas vezes uma cruz a nortear o caminho.
- António Mexia, o CEO (adapta-te,
Helder) que trabalhou pacientemente a sua carreira e aprendeu a dominar todos
os papagaios à sua volta, está agora também a contas com a justiça. Nada que a
mim me admire. A eléctrica chinesa que ele dirige com autoridade e remuneração
a condizer, espécie de bolsa catastrófica para os utentes, que pagam com língua
de fora o seu vencimento e o dos outros lacaios da China, em vez de assumir o
desenvolvimento da empresa de olhos postos no bem dos consumidores, surripia-os
com impostos e rendas, fazendo com que a energia portuguesa, perdão, chinesa
seja a mais cara da Europa. Na traficância, anda o nome daquele que foi
ministro e tinha chifres vá-se-lá-saber-porquê e, naturalmente, o omnipresente em
tudo quanto é ladroagem José Sócrates. Que corja, santo Deus! Pobre povo
português que tem sido roubado, gozado, humilhado por uma escumalha que só vê
cifrões, rouba e trapaça, sabendo que tem as costas protegidas por centrais de
advogados especializados em os ilibar e fazer deles heróis nacionais.
- Londres foi mais uma vez atacada
presumivelmente pelo Daesh. Aconteceu ontem à noite em pleno centro. Morreram sete
pessoas 50 ficaram feridas. O método é o mesmo do último atentado naquela
cidade: um carro conduzido por terroristas dizima tudo à sua passagem. Imagens impressionantes
tiradas com os telemóveis das pessoas presentes. O que me espanta. Eu se
estivesse no local, nunca me passaria pela cabeça pôr-me a filmar ou a fotografar
o horror.