domingo, junho 04, 2017

Domingo, 4.
Sexta-feira almocei com o João Corregedor e o Carlos na Adega da Mó. Carlos foi contido no álcool como, de resto, havia sido cá em casa quando na véspera almoçou. João levou-nos depois ao café da livraria Ferin e aí, protegidos da canícula que fazia lá fora, pudemos conversar até à meia tarde. Três refinados tagarelas é o que se me oferece dizer. Os temas foram tantos vindos no arrasto ululante dos sons e dos ímpetos, que não tenho talento para os tratar nestas páginas. Sendo já cinco horas, era nosso propósito separarmo-nos ali. Mas eu disse que ainda ia deitar um olho aos livros na fnac. Logo eles quiseram vir comigo. Depois, não sei a que propósito, eu comecei a falar de Madame Juju. João aguçou os ouvidos, Carlos abriu muito os olhos. Durante um certo tempo, encostados ao balcão de atendimento dissequei o conteúdo político-social que o romance encerra. João, atento, escutava, num interesse parecido com o do Simão quando em Roma lhe transmiti as bases da história que havia por duas ou três vezes começado e outras tantas renunciado a escrever. “Vamo-nos sentar ali no café porque já não posso das pernas”, propôs Corregedor prontamente seguido por Carlos que também padecia do mesmo mal. A curiosidade do nosso deputado recrudesce, quando lhe explico – e foi a primeira pessoa a quem eu conto – a génese de uma personagem. (Stop. Daqui não passo, deixando para os leitores em livro o conteúdo que se seguiu e nos levou até quase às oito da noite.)

         - Carlos Soares, ofereceu-me uma brochura da última exposição que fez. Eu conhecia os seus desenhos que antecipam a Terra e a Humanidade para daqui a dois milhões de anos, mas desconhecia as suas esculturas. Devo dizer que fiquei li-te-ral-men-te pasmado! Que beleza! Que pureza! Que luminosidade! Que profundidade! Que modernidade atravessada de um classicismo rigoroso, servido por um diálogo que nos suspende entre o místico e o desafio de linhas de uma perfeição intocável! Pedi-lhe para ver as peças e marquei com o Corregedor uma ida ao seu atelier, na Lapa, quarta-feira. Trouxe-me para cima de cinquenta desenhos, eróticos e loucos, onde traça o futuro e expõe o mundo daqui a dois milhões de anos. Tudo aquilo é uma loucura, uma devassidão, uma pouca vergonha que não dá tréguas à imaginação e tece em traço rigoroso um conjunto obsessivo de curvas que se precipitam para o abismo. É, paradoxalmente, um diálogo místico, feito em sombras e fantasmagorias, que revela um artista apurado, um ser humano encantador, um pintor que sabe desenhar como sei de poucos. Descobri que entretém com as osgas conversas infindas, sobretudo quando elas se metamorfoseiam em Leonardo Da Vinci, e lhe indicam as dúvidas que a arte sabe ocultar quando o artista em diálogo a instiga. Eu também sou um amante das osgas e quando as vejo no meu quarto, falo com elas e chego a pedir-lhes que não abandonem as paredes e velem pelo meu sono comendo os mosquitos que, embora não me picando, me silvam os ouvidos acordando-me. O desenho que me ofereceu e vou emoldurar, ficará como o diamante de uma amizade que o tempo não extinguirá. Quem vir aquele ser estranho, de olhos azuis e mente brilhante, não dirá que vai ali um ser humano encantador, culto, arrebatado, por vezes impulsivo e sempre inteiro, criatura primeira de Deus que ele ama e O deve estimar como a poucos. Nos seus desenhos, no meio do caos, surge muitas vezes uma cruz a nortear o caminho.

         - António Mexia, o CEO (adapta-te, Helder) que trabalhou pacientemente a sua carreira e aprendeu a dominar todos os papagaios à sua volta, está agora também a contas com a justiça. Nada que a mim me admire. A eléctrica chinesa que ele dirige com autoridade e remuneração a condizer, espécie de bolsa catastrófica para os utentes, que pagam com língua de fora o seu vencimento e o dos outros lacaios da China, em vez de assumir o desenvolvimento da empresa de olhos postos no bem dos consumidores, surripia-os com impostos e rendas, fazendo com que a energia portuguesa, perdão, chinesa seja a mais cara da Europa. Na traficância, anda o nome daquele que foi ministro e tinha chifres vá-se-lá-saber-porquê e, naturalmente, o omnipresente em tudo quanto é ladroagem José Sócrates. Que corja, santo Deus! Pobre povo português que tem sido roubado, gozado, humilhado por uma escumalha que só vê cifrões, rouba e trapaça, sabendo que tem as costas protegidas por centrais de advogados especializados em os ilibar e fazer deles heróis nacionais. 


         - Londres foi mais uma vez atacada presumivelmente pelo Daesh. Aconteceu ontem à noite em pleno centro. Morreram sete pessoas 50 ficaram feridas. O método é o mesmo do último atentado naquela cidade: um carro conduzido por terroristas dizima tudo à sua passagem. Imagens impressionantes tiradas com os telemóveis das pessoas presentes. O que me espanta. Eu se estivesse no local, nunca me passaria pela cabeça pôr-me a filmar ou a fotografar o horror.