segunda-feira, junho 26, 2017

Segunda, 26.
Prosseguem os telejornais-espectáculo, longos como caminhos consumidos pelo fogo, pesados como a morte que rondou as casas e levou muitos moradores. Este tipo de jornalismo vigarista, vistoso, puxado à lágrima, cínico, falsamente cristão, miserabilista, que mais não faz que oferecer ao espectador a festa da dor e da miséria de um povo simples, enganado e abandonado, crente e só, confrontado com perguntas idiotas a que responde com prantos compungidos e incredulidade reservada. Esta classe que sai das faculdades às pazadas, devia ser toda demitida e muitos presos.

         - Em casa de amigos ouvi o artista que ganhou o Festival da Canção, num disco com cadências de jazz, que me deixou deslumbrado. Comparado com a lamecha canção que a Eurovisão premiou, aquilo é um diamante. No género, mil vezes melhor a canção que Maria Guinot levou à Eurovisão, em 1984. Dito isto, o que se ressalva é a personagem Salvador Sobral.


         - Esta madrugada, pelas 5,30, grande susto. Acordo num estado de excitação horrível, a transpirar, uma dor localizada na omoplata esquerda que tornava o braço fraco. Penso ser do calor e abro de um lado e outro as janelas. Mas na cama não posso estar, não tenho posição, estou enervado. Pensei que estava a fazer um AVC e desço para medir a tensão: 21x11. Um horror! Do nunca visto! Decido meter-me no carro e ir ao hospital a Setúbal. O susto porém, leva-me aos bombeiros que estão mais perto. Entro no quartel por um corredor ao fundo do qual dou com quatro matulões a dormir vestidos sobre camas improvisadas. Chamo por eles, nenhum respondeu, prego a fundo no sono de morte. Abano o que me está mais próximo. Este levanta-se meio tonto, acorda um companheiro. Os dois levam-me para dentro de um carro que possui o mínimo para saber o que tenho. Medida a tensão, esta apresenta mais um ponto: 22x11. São eles que chamam o INEM que leva algum tempo em paleio suspenso. Fica decidido que me vão levar a meio do caminho, entre Palmela e a cidade sadina. Estou gelado, o próprio amável soldado da paz inquieta-se porque estou lívido. Chega o socorro. No nosso carro entra de rompante uma médica stressada, grandes olheiras, acolitada por um enfermeiro que devia ter chegado naquele momento das filmagens de um filme X - tal a beleza e imponência física. Um electrocardiograma é feito: “O senhor tem um coração de adolescente. Está óptimo! Só a tensão é que está a mais”, diz-me ela recomendando ao actor que me ponha um comprimido debaixo da língua para fazer baixar o monstro. Recomenda depois aos bombeiros que me levem ao hospital. Chego de maca, transferido de seguida para cadeira de rodas. Aguardo uma boa meia-hora para ser observado por um médico de origem estrangeira que fala bem o português. Novo electrocardiograma, seguido de auscultação, esforço do braço esquerdo. Aparentemente não há nada, a tensão tinha descido para 15x8,2. “Mas vamos fazer uns exames para ficarmos descansados,” diz-me ele, cordato, quase familiar. Volto à sala onde o inferno se instalou. Há velhos aos ais nos corredores, gente que entra e sai, enfermeiras e enfermeiros que não param um instante, o habitual. Percebi que sou eu que tenho de me mexer de forma a sair daquela algazarra mais depressa. Indago como devo fazer para os exames. “Ao fundo do corredor, à esquerda”, responde-me um enfermeiro jihadista. Aí chegado, verifico que é à direita. Bom. (Lembrei-me logo da cena do 758.) Espero, espero. Até que uma técnica de grandes e grossos seios dourados, me faz entrar numa sala minúscula, aperta com uma borracha o braço esquerdo, engata a agulha e da mangueira jorra o suficiente para encher quatro tubos de plástico. Depois diz-me que aguarde uma hora pelos resultados. Nesse entretanto, estando em jejum, procuro um café. Vou encontrá-lo atravessando a rua. A sala está repleta de enfermeiras e enfermeiros de olhares melados, um deles até descaído numa espécie de flor de lis onde se insinuam todos os dramas amorosos. Não tenho dinheiro suficiente e vou ter que o levantar do Multibanco existente na entrada principal do São Bernardo. Vou a pé por ali abaixo, cais-que-não-cais. Regresso às Urgências abastecido e um pouco mais animado. Vou aguardar ainda mais meia-hora. O simpático clínico, assim que assomo à porta, dispara: “Ainda vai viver mais 30 anos! Não há problema nenhum. – Então o que aconteceu? – Talvez seja uma questão nervosa e para a dor nas costas, vou passar-lhe um gel e ponha um saco de água quente.” Volto ao quartel de táxi onde tinha estacionado o carro. Procuro os meus benfeitores, mas não está nenhum deles. Estão outros a quem pergunto quanto devo da ajuda. “Nada. Não paga nada.” Já em casa, volto a medir a pressão sanguínea: a sistólica 12,6, a diastólica 7,3. O costume. Pelo sim, pelo não, marquei uma consulta com o meu médico para quarta-feira. Ficas proibido de dizer que estás bem, ouvistes Helder?