sábado, dezembro 03, 2022

Sábado, 3.

Faltava à anotação que deixei aqui acima, a conclusão do artigo de hoje de António Barreto. Diz o articulista: “O que agora se pretende fazer à Constituição é mais uma vez uma actualização demagógica e oportunista. Todos querem aumentar e alargar os sistemas de direitos e benefícios de que usufruem grupos de cidadãos. Todos os partidos querem dar mais e distribuir mais: educação, saúde, alimentação, Segurança Social, higiene, qualidade de vida, água, clima, transportes, habitação, vida animal, floresta... Todos estes temas deveriam ser tratados em programas de Governo e nada têm que ver com a Constituição...” E no remate: “Esta revisão é uma armadilha autoritária, não democrática, de medíocre improviso e de grosseiro expediente.”  

         - Ontem, tendo ido ao dentista, ali como por todo o lado, a praga das televisões e a droga do futebol são omnipresentes, perdão, omniscientes. Acontece que Portugal, segundo a nossa imprensa, possui a mais fabulosa selecção do Mundial, com um ex melhor jogador da FIFA já em decadência, perdeu com a Coreia do Sul. Por momentos pus os olhos na partida e, como não entendia nada daquilo, observei a beleza natural dos rapazes da Coreia do Sul, todos autênticos, jovens, pele sedosa, brilhante, por contraste com os nossos de ar abrutalhado, artificiais, depilados, sobrancelhas recortadas e rematadas a lápis, pernas arqueadas, armados da realeza pelintra que o futebol os coroou. Marcelo não podia faltar à festa e diante dos jornalistas babados, comentou o jogo e houve muitos risos e abraços e admiração ante a sua verborreia. Triste Portugal!      

          - Almocei com a Alzira na Confeitaria Nacional. Forma de falar porque tendo partido a prótese provisória, apenas a acompanhei revendo factos e histórias. Mais tarde, com fome, entrei no Vitta Roma para petiscar. Gosto de ali ir, não só porque tem preços em conta, como pelos habitués, duas qualidades de clientes, desde os doutores reformados, às dondocas falidas da Avenida de Roma, aos operários que não chegam ao menu e se ficam por duas sandes e cerveja. O ambiente é sempre ruidoso, festivo, em diálogo de surdos da copa para as mesas, numa espécie de carnaval brasileiro que os muitos empregados desse país lhe embutem, sob a batuta da governanta desdentada e a ameaçar regressar ao seu torreão natal num qualquer sítio do Norte. Quando a temperatura baixa e ficam esquecidas nas mesas as velhotas vestidas do resto da pompa e circunstância do passado, instala-se por ali um murmúrio triste, feito de olhares parados, pensamentos voando por cima dos anos dourados, silêncios ciciados, desassossegos brandos nos corpos enfeitados das vestes coçadas. Todo o fausto brilho de então, como que se liquidifica, caindo em lágrimas sobre a mesa onde está esquecido o resto do vinho tinto que o menu oferece. Eu, curiosamente, sinto-me bem ali, recebendo por vezes um sorriso triste, um olhar disfarçado, uma pose sobranceira. É esta a minha gente, dela me habito, por ela encho as horas no remanso do tempo que me sobra para embarcar no comboio de regresso a casa. 

         - Tempo moche. Triste. Frio. Tenho duas lareiras acesas: na cozinha e aqui no salão. Mas é nos povos do norte e centro da Europa que penso, obrigados a reduzir aconchegos, a passar frio, a sofrerem dentro das suas casas o horror de uma guerra idiota. Para não falar na desumanização do ditador, coagindo os ucranianos ao frio siberiano e sem água, com todas as infra-estruturas desfeitas.