quinta-feira, maio 11, 2017

Quinta, 11.
Manhã de uma profunda e inesperada paz. Não me impus nenhum tipo de obrigação e sentado à minha mesa de trabalho, a Antena 2 em fundo, a musicalidade da chuva caindo lá fora, fui folheando este e aquele livro, lendo aqui e ali os sublinhados, no caso Soixante-dix s´efface (vol. III, Gallimard) de Ernst Junger. Nos livros passa-se uma coisa curiosa: só se aproveita, talvez, 90 por cento do muito que enche uma obra. Todavia, sem esta pequena percentagem, o livro não tinha razão de existir, como um corpo amputado de um membro que faz falta ao todo. Ontem à noite, outro momento inopinado. De um golpe enchi três páginas A4 de apontamentos escritos à mão para O Matricida que tinha posto de lado. A propósito, fui convidado para ler excertos dos meus livros numa reunião de pessoas ligadas à literatura. Recusei. Não sou capaz, sou demasiado tímido e inseguro para me expor daquele modo. Ainda mais diante de catedráticos e escritores. É como se me mandassem desnudar. O pintor e serígrafo falecido o ano passado António Inverno, convidou-me um dia para falar numa escola de Beja, mas aí foi diferente – a curiosidade dos alunos é um desafio.


         - Um sonho atroz. Fui com um desconhecido que me levou na sua viatura para um sítio encoberto de densa vegetação. Lá chegados, ele pára o carro no limite da falésia. Observo, ao fundo, um imenso lago. Sou convidado a segui-lo. Recuso. Ele desce, mas ao descer, transforma-se numa mulher esbelta. Da densa florestação surgem pessoas semi-nuas que convergem para a água. Começo a sentir vertigens, hesito em me atirar lá para baixo. Olho em volta e a noite tinha-se eclipsado, deixando lugar a um dia banhado de sol. Também não existe nada nem ninguém em torno de mim. Estou completamente só num mundo opaco, mineral, onde o silêncio é tão pesado que faz medo. Acordo angustiado. Vejo as horas: quatro e meia.