Quinta,
11.
Manhã
de uma profunda e inesperada paz. Não me impus nenhum tipo de obrigação e
sentado à minha mesa de trabalho, a Antena 2 em fundo, a musicalidade da chuva
caindo lá fora, fui folheando este e aquele livro, lendo aqui e ali os
sublinhados, no caso Soixante-dix
s´efface (vol. III, Gallimard) de Ernst Junger. Nos livros passa-se uma
coisa curiosa: só se aproveita, talvez, 90 por cento do muito que enche uma
obra. Todavia, sem esta pequena percentagem, o livro não tinha razão de
existir, como um corpo amputado de um membro que faz falta ao todo. Ontem à
noite, outro momento inopinado. De um golpe enchi três páginas A4 de
apontamentos escritos à mão para O
Matricida que tinha posto de lado. A propósito, fui convidado para ler
excertos dos meus livros numa reunião de pessoas ligadas à literatura. Recusei.
Não sou capaz, sou demasiado tímido e inseguro para me expor daquele modo.
Ainda mais diante de catedráticos e escritores. É como se me mandassem
desnudar. O pintor e serígrafo falecido o ano passado António Inverno,
convidou-me um dia para falar numa escola de Beja, mas aí foi diferente – a
curiosidade dos alunos é um desafio.
- Um sonho atroz. Fui com um
desconhecido que me levou na sua viatura para um sítio encoberto de densa
vegetação. Lá chegados, ele pára o carro no limite da falésia. Observo, ao
fundo, um imenso lago. Sou convidado a segui-lo. Recuso. Ele desce, mas ao
descer, transforma-se numa mulher esbelta. Da densa florestação surgem pessoas semi-nuas
que convergem para a água. Começo a sentir vertigens, hesito em me atirar lá
para baixo. Olho em volta e a noite tinha-se eclipsado, deixando lugar a um dia
banhado de sol. Também não existe nada nem ninguém em torno de mim. Estou
completamente só num mundo opaco, mineral, onde o silêncio é tão pesado que faz
medo. Acordo angustiado. Vejo as horas: quatro e meia.