Domingo, 24.
Escrever
é uma disciplina que não consente descuidos. Marcello Mathias, Diário
da Abuxarda, pag. 395. O mesmo se poderá dizer de muitas outras profissões.
Mas concordo com o nosso embaixador-escritor cujo livro ainda não arrumei na
estante e está presente no salão sobre a mesa de apoio para de vez em quando voltar
a deitar uma olhada. É uma obra toda ela diplomática, cheia de alçapões, onde
se esconde esta maltosa sinistra que nos governa ou governou e que o diarista
não teve coragem de citar os nomes. É pena.
- Estou, enfim, no usufruto da piscina. Nesta terra aonde escolhi viver
e se possível terminar os meus dias, o pessoal técnico que por aqui exerce
profissões várias, deixa muito a desejar. Andei por todo o lado a pedir
orçamentos para a substituição da areia do filtro e cheguei à triste conclusão
que é tudo e nada. O primeiro que apareceu, pediu-me 80 euros e nunca mais
atendeu o telefone para combinarmos o trabalho; o segundo orçou a obra em 120
euros; o terceiro em 200 euros. Optei pelo do meio que ontem em duas horas, sem
recibo, me surripiou a importância. Vai ter que cá voltar (se voltar) porque
uma união ficou a verter água quando ponho a bomba a funcionar. É assim. Somos
eficientes – dizem – lá fora. Cá dentro não passamos de biscateiros.
- Henry Labouchère foi o primeiro autor da legislação anti-homossexual. A
palavra homossexualidade começou a fazer parte da gíria diária a partir de 1880
não como um vício a punir, mas como uma perversão a tratar. Isto apesar de em Inglaterra
muitas personalidades insuspeitas terem os seus “petits amis”: é o caso de
Jacques I com o duque de Buckngham, de Henrique III de França com o almirante
de Joyeuse, para não falar no marquês de Queensberry que todos diziam ser um
lorde infrequentável. A coisa era de tal modo, que a imperatriz da Índia – que
os seus súbditos tratavam de Mrs Brown devido à sua relação amorosa com um
indiano com esse nome – afirmava que “jamais uma mulher fará uma coisa
semelhante”. Foi talvez devido ao escândalo Oscar Wilde que o tema saltou
imprevistamente dos salões e ruas mal afamadas para o domínio público. Por
isso, é com algum espanto que vejo logo de uma penada aprovado por referendo na
Irlanda o casamento gay, e ainda por cima com mais de 60 por cento dos votos.
Se juntarmos a isto a força da Igreja católica no país, então o espanto é de
arromba. Ainda há dias o Luxemburgo fez aprovar lei no mesmo sentido com a
particularidade de o primeiro-ministro aproveitar o embalo e casar com o seu
companheiro de há meia dúzia de anos! Que mudança tão brusca! A ver vamos como
isto vai terminar. Eu estou em crer que uma coisa é a lei, outra é o dia-a-dia
daqueles que nasceram diferentes. A aceitação do outro nas suas especificidades
não se impõe por decreto.
- Dito isto, e aceitando eu que cada um faça o que muito bem lhe
apetece, a mim dá-me para pensar por que querem os homossexuais assumir a canga
dos heterossexuais, perdendo a alegria e a liberdade que até aqui eram os
únicos dentro das múltiplas uniões a usufruir. Com esta legalidade escrita por
espíritos que o fazem por moda e pela conquista de votos, esquecem-se que serão
estes mesmos idiotas que um dia os conduzirão à forca e que na intimidade dizem
o pior possível das suas opções sexuais e amorosas. Depois que interesse há em
se quererem comparar aos hetero, com as mesmas chatices, os chatos dos filhinhos
queridos, das obrigações emmerdeuses e da vida monótona e alienante dos casados?
Mistério e torresmos.