domingo, maio 24, 2015


Domingo, 24.
Escrever é uma disciplina que não consente descuidos. Marcello Mathias, Diário da Abuxarda, pag. 395. O mesmo se poderá dizer de muitas outras profissões. Mas concordo com o nosso embaixador-escritor cujo livro ainda não arrumei na estante e está presente no salão sobre a mesa de apoio para de vez em quando voltar a deitar uma olhada. É uma obra toda ela diplomática, cheia de alçapões, onde se esconde esta maltosa sinistra que nos governa ou governou e que o diarista não teve coragem de citar os nomes. É pena.

         - Estou, enfim, no usufruto da piscina. Nesta terra aonde escolhi viver e se possível terminar os meus dias, o pessoal técnico que por aqui exerce profissões várias, deixa muito a desejar. Andei por todo o lado a pedir orçamentos para a substituição da areia do filtro e cheguei à triste conclusão que é tudo e nada. O primeiro que apareceu, pediu-me 80 euros e nunca mais atendeu o telefone para combinarmos o trabalho; o segundo orçou a obra em 120 euros; o terceiro em 200 euros. Optei pelo do meio que ontem em duas horas, sem recibo, me surripiou a importância. Vai ter que cá voltar (se voltar) porque uma união ficou a verter água quando ponho a bomba a funcionar. É assim. Somos eficientes – dizem – lá fora. Cá dentro não passamos de biscateiros.

         - Henry Labouchère foi o primeiro autor da legislação anti-homossexual. A palavra homossexualidade começou a fazer parte da gíria diária a partir de 1880 não como um vício a punir, mas como uma perversão a tratar. Isto apesar de em Inglaterra muitas personalidades insuspeitas terem os seus “petits amis”: é o caso de Jacques I com o duque de Buckngham, de Henrique III de França com o almirante de Joyeuse, para não falar no marquês de Queensberry que todos diziam ser um lorde infrequentável. A coisa era de tal modo, que a imperatriz da Índia – que os seus súbditos tratavam de Mrs Brown devido à sua relação amorosa com um indiano com esse nome – afirmava que “jamais uma mulher fará uma coisa semelhante”. Foi talvez devido ao escândalo Oscar Wilde que o tema saltou imprevistamente dos salões e ruas mal afamadas para o domínio público. Por isso, é com algum espanto que vejo logo de uma penada aprovado por referendo na Irlanda o casamento gay, e ainda por cima com mais de 60 por cento dos votos. Se juntarmos a isto a força da Igreja católica no país, então o espanto é de arromba. Ainda há dias o Luxemburgo fez aprovar lei no mesmo sentido com a particularidade de o primeiro-ministro aproveitar o embalo e casar com o seu companheiro de há meia dúzia de anos! Que mudança tão brusca! A ver vamos como isto vai terminar. Eu estou em crer que uma coisa é a lei, outra é o dia-a-dia daqueles que nasceram diferentes. A aceitação do outro nas suas especificidades não se impõe por decreto.

         - Dito isto, e aceitando eu que cada um faça o que muito bem lhe apetece, a mim dá-me para pensar por que querem os homossexuais assumir a canga dos heterossexuais, perdendo a alegria e a liberdade que até aqui eram os únicos dentro das múltiplas uniões a usufruir. Com esta legalidade escrita por espíritos que o fazem por moda e pela conquista de votos, esquecem-se que serão estes mesmos idiotas que um dia os conduzirão à forca e que na intimidade dizem o pior possível das suas opções sexuais e amorosas. Depois que interesse há em se quererem comparar aos hetero, com as mesmas chatices, os chatos dos filhinhos queridos, das obrigações emmerdeuses e da vida monótona e alienante dos casados? Mistério e torresmos.