terça-feira, maio 26, 2015

Terça, 26.
Fui a Lisboa, entre outros assuntos, para almoçar com a Conceição com quem aprazei ontem pelo telefone um almoço, a que se devia juntar também o Simão. Ela falou a desmarcar porque lhe tinha caído um espelho nos calcanhares (sic) e não podia caminhar; ele porque sentia-se indisposto do estômago. Bom. Estando na Baixa, subi à Brasileira a espreitar os meus amigos artistas que estavam em força nas suas mesas habituais. Hoje não faltou ninguém à marcação do ponto. Vem um de Sintra (Gordilho), outro das Olaias (António Carmo), um terceiro aqui de Palmela (não me recordo o nome), dois moram no Chiado (Virgílio Domingues e outro que não sei o nome), um da Damaia (António Segurado) e mais alguém que por ali aparece intermitentemente como eu. Fazem isto há anos e antes o grupo ocupava meio café. Eram quase todos pintores e escultores. Hoje está circunscrito a meia dúzia de mesas. A reinação, essa, é sempre a mesma, a má-língua refinou e ficou mais afiada com a idade. Gordilho contou que viu na televisão uma entrevista a Julio Iglesias. A entrevistadora formatada num disco rígido fora de moda, endeusava o artista espanhol: “Você é um homem mundialmente conhecido, casado com uma mulher lindíssima, tem uns filhos célebres, é rico, tem uma casa de sonho, elegância invejável para a idade”. Iglesias deixou-a falar e depois calmamente desconstrói a boneco que ela tinha criado: “Olhe para estar aqui a falar consigo tive que levar duas injecções nas costas esta manhã, de contrário não me tinha direito; tenho orgulho nos meus filhos é um facto, mas quando me vejo ao espelho observo um homem velho de 71 anos com um corpo desconjuntado; a circunstância que citou de eu dançar em palco com a mão na barriga veio de uma vez que estava cheio de dores de estômago e tive de me massajar para continuar em palco, o público, ignorando a razão, gostou e eu a partir daí adoptei esse trejeito, quanto à elegância é só em palco. No dia-a-dia ando com um fato de treino, viajo com ele, e só me visto no hotel para o espectáculo. Sou uma pessoa como qualquer outra. Vê aquele rodapé da parede acolchoado, fui eu que fiz para defender os meus netos de se magoarem.” Gordilho não disse com que cara ficou a mademoisela ante a inteligência e saber humano do artista.  


         - Simão desde que conheceu a rapariga italiana que o faz ir a Itália com muita frequência, definhou. É curioso a capacidade que as mulheres têm em virar a cabeça dos homens. Simão a quem eu sempre ouvi dizer que o mais importante é a liberdade, está agora prisioneiro de uma pessoa que o tornou triste, lhe roubou a graça e a naiveté que era a sua e que tanto encantava os seus amigos. Ficou taciturno, fechou-se, parece andar doente, falta-lhe motivação, anda cativo de si mesmo, deprimido e só. Faz pena vê-lo assim. Julgo que ele se apercebe, mas não possui força anímica para sair do buraco. Depressão?