Terça, 26.
Fui a Lisboa, entre outros assuntos, para
almoçar com a Conceição com quem aprazei ontem pelo telefone um almoço, a que
se devia juntar também o Simão. Ela falou a desmarcar porque lhe tinha caído um
espelho nos calcanhares (sic) e não podia caminhar; ele porque sentia-se
indisposto do estômago. Bom. Estando na Baixa, subi à Brasileira a espreitar os
meus amigos artistas que estavam em força nas suas mesas habituais. Hoje não
faltou ninguém à marcação do ponto. Vem um de Sintra (Gordilho), outro das
Olaias (António Carmo), um terceiro aqui de Palmela (não me recordo o nome),
dois moram no Chiado (Virgílio Domingues e outro que não sei o nome), um da
Damaia (António Segurado) e mais alguém que por ali aparece intermitentemente
como eu. Fazem isto há anos e antes o grupo ocupava meio café. Eram quase todos
pintores e escultores. Hoje está circunscrito a meia dúzia de mesas. A reinação,
essa, é sempre a mesma, a má-língua refinou e ficou mais afiada com a idade.
Gordilho contou que viu na televisão uma entrevista a Julio Iglesias. A
entrevistadora formatada num disco rígido fora de moda, endeusava o artista
espanhol: “Você é um homem mundialmente conhecido, casado com uma mulher
lindíssima, tem uns filhos célebres, é rico, tem uma casa de sonho, elegância
invejável para a idade”. Iglesias deixou-a falar e depois calmamente
desconstrói a boneco que ela tinha criado: “Olhe para estar aqui a falar
consigo tive que levar duas injecções nas costas esta manhã, de contrário não
me tinha direito; tenho orgulho nos meus filhos é um facto, mas quando me vejo
ao espelho observo um homem velho de 71 anos com um corpo desconjuntado; a
circunstância que citou de eu dançar em palco com a mão na barriga veio de uma
vez que estava cheio de dores de estômago e tive de me massajar para continuar
em palco, o público, ignorando a razão, gostou e eu a partir daí adoptei esse
trejeito, quanto à elegância é só em palco. No dia-a-dia ando com um fato de
treino, viajo com ele, e só me visto no hotel para o espectáculo. Sou uma
pessoa como qualquer outra. Vê aquele rodapé da parede acolchoado, fui eu que
fiz para defender os meus netos de se magoarem.” Gordilho não disse com que
cara ficou a mademoisela ante a inteligência e saber humano do artista.
- Simão desde que conheceu a rapariga italiana que o faz ir a Itália com
muita frequência, definhou. É curioso a capacidade que as mulheres têm em virar
a cabeça dos homens. Simão a quem eu sempre ouvi dizer que o mais importante é a
liberdade, está agora prisioneiro de uma pessoa que o tornou triste, lhe roubou
a graça e a naiveté que era a sua e
que tanto encantava os seus amigos. Ficou taciturno, fechou-se, parece andar
doente, falta-lhe motivação, anda cativo de si mesmo, deprimido e só. Faz pena
vê-lo assim. Julgo que ele se apercebe, mas não possui força anímica para sair
do buraco. Depressão?