terça-feira, maio 19, 2015

Terça, 19.
O provérbio diz: “o hábito não faz o monge” e assim se fala na maioria dos casos, ficando por completar o final onde reside toda a importância, “mas fá-lo parecer de longe”. Vem isto a propósito do que por aí vai. Eu já aqui expus o meu parecer e disse que a maioria desses políticos que nos roubam e com os seus crimes ocupam a maior parte dos tribunais e juízes, gastando ainda por cima o nosso querido dinheirinho em processos defendidos por essas colónias de advogados justapostos ao crime, têm estampado nos rostos gorduchos tudo o que são. Bastava mirá-los como quem analisa uma jóia rara que não merece ir a leilão. Como eu fiz outro dia estando a ler os jornais num café quando entrou de rompante um grupo de homens e mulheres de uns trinta anos, aperaltados à moda de veraneio, calções justos numas pernas arqueadas depiladas, t-shirt à cava, um ar gingão de quem tem toda a importância do mundo, falando alto, ocupando como se estivessem na sua sala de visitas modesta o espaço das mesas, deixando no ar o cheiro nauseabundo da ralé, convencidos que tinham o mundo a seus pés. O que eu pensei deles, veio a concretizar-se instantes depois. Eles saíram e eu fui a atrás. Só que eu cumpri as setas escritas no chão para a saída do parque, eles abandonaram o recinto em contramão obrigando dois automobilistas a travarem de urgência.  Por pouco não chocaram de frente. Os boçais riram alarvemente.


         - Definitivamente acho que a única leitura que vale a pena não perder de vista são os diários. Quando são escritos por escritores com forte personalidade, independência e equidistância do seu papel de intelectuais e do poder, transmitem-nos uma vida que nos apaixona seguir de perto pela liberdade lançada determinada ao correr dos dias. Findo o de Marcello Mathias, entrei no de José Régio continuando, ainda, com os de Sartre e Orwell. Este, às vezes durante uma semana, regista apenas “um ovo”, no dia seguinte “dois ovos”, depois “um ovo”, a seguir “choveu todo o dia”. É engraçado seguir o ritmo poedeiro das suas galinhas e a importância que ele dá à coisa. O escritor francês chamou Drôle de guerre a um diário, quando ele não passa de extensos exercícios filosóficos que me arrebatam ainda que a maioria das vezes não perceba patavina. Mas gosto de seguir aquela cabeça efervescente, destravada de paixão pela filosofia e onde vejo plasmado o que haveria de ser consumado na teoria de o Existencialismo é um Humanismo. De todo o modo, prefiro mil vezes estes diaristas nem sempre exaltantes, às páginas do diário de Thomas Mann com o seu chorrilho novo-riquismo de anotar que comeu caviar com champanhe todos os dias. Nos diários o que essencialmente interessa é a personagem e depois a forma como ela transpõe para as páginas aquilo que viveu e o modo como os ínfimos silêncios do mundo foram por ele sentidos.