Terça, 19.
O provérbio diz: “o hábito não faz o
monge” e assim se fala na maioria dos casos, ficando por completar o final onde
reside toda a importância, “mas fá-lo parecer de longe”. Vem isto a propósito
do que por aí vai. Eu já aqui expus o meu parecer e disse que a maioria desses
políticos que nos roubam e com os seus crimes ocupam a maior parte dos
tribunais e juízes, gastando ainda por cima o nosso querido dinheirinho em
processos defendidos por essas colónias de advogados justapostos ao crime, têm
estampado nos rostos gorduchos tudo o que são. Bastava mirá-los como quem
analisa uma jóia rara que não merece ir a leilão. Como eu fiz outro dia estando
a ler os jornais num café quando entrou de rompante um grupo de homens e
mulheres de uns trinta anos, aperaltados à moda de veraneio, calções justos
numas pernas arqueadas depiladas, t-shirt à cava, um ar gingão de quem tem toda
a importância do mundo, falando alto, ocupando como se estivessem na sua sala
de visitas modesta o espaço das mesas, deixando no ar o cheiro nauseabundo da ralé,
convencidos que tinham o mundo a seus pés. O que eu pensei deles, veio a
concretizar-se instantes depois. Eles saíram e eu fui a atrás. Só que eu cumpri
as setas escritas no chão para a saída do parque, eles abandonaram o recinto em
contramão obrigando dois automobilistas a travarem de urgência. Por pouco não chocaram de frente. Os boçais
riram alarvemente.
- Definitivamente acho que a única leitura que vale a pena não perder de
vista são os diários. Quando são escritos por escritores com forte
personalidade, independência e equidistância do seu papel de intelectuais e do
poder, transmitem-nos uma vida que nos apaixona seguir de perto pela liberdade
lançada determinada ao correr dos dias. Findo o de Marcello Mathias, entrei no
de José Régio continuando, ainda, com os de Sartre e Orwell. Este, às vezes durante
uma semana, regista apenas “um ovo”, no dia seguinte “dois ovos”, depois “um
ovo”, a seguir “choveu todo o dia”. É engraçado seguir o ritmo poedeiro das
suas galinhas e a importância que ele dá à coisa. O escritor francês chamou Drôle de guerre a um diário, quando ele
não passa de extensos exercícios filosóficos que me arrebatam ainda que a
maioria das vezes não perceba patavina. Mas gosto de seguir aquela cabeça
efervescente, destravada de paixão pela filosofia e onde vejo plasmado o que
haveria de ser consumado na teoria de o Existencialismo é um Humanismo. De todo
o modo, prefiro mil vezes estes diaristas nem sempre exaltantes, às páginas do
diário de Thomas Mann com o seu chorrilho novo-riquismo de anotar que comeu
caviar com champanhe todos os dias. Nos diários o que essencialmente interessa
é a personagem e depois a forma como ela transpõe para as páginas aquilo que
viveu e o modo como os ínfimos silêncios do mundo foram por ele sentidos.