quarta-feira, outubro 18, 2023

Terça, 17.

Escrevo estas linhas no Gama Pinto enquanto espero para ser atendido em consulta. Em baixo no pequeno jardim do hospital, vejo uma romãzeira carregada de frutos. Alguém encontrou um escadote de ferro para chegar aos ramos baixos, enquanto a copa está pejada de romãs pequenas. Aguardo sem querer castigar a vista a ler ou a escrever. Aqui dentro, na sala onde esperam os doentes, não há muita gente. Contudo, médicas e assistentes afadigam-se como irmãs da caridade atrás deles. Estes estão por todo o lado: corredores, halls, salas de espera que correm ao longo das áleas do edifício. Não chove, mas já choveu, enfim, um pouco esta manhã. Não acredito que o meu olho esquerdo tenha sido roído pelo glaucoma que a minha médica, devido à tesão ocular, pensa  possível. 

         - Fechando a cortina humana, no que penso é nos palestinianos. Sofro por eles e com eles. Invocam os terroristas que semeiam a morte e desorganizam as sociedades, mas não nos esqueçamos que eles nasceram da invasão do Iraque ordenada por George Bush. No começo do conflito Israelo-palestiniano, todos os governantes da UE, em cadeia, António Costa, claro, incluído, insurgiram-se apenas contra o HAMAS, do lado dos israelitas e dos seus actos igualmente criminosos. Não nos esqueçamos que os monstros quem os criou e engordou, foram os sucessivos governantes com as suas políticas de interesses de ordem vária. Depois, os povos da Alemanha, França, Espanha, Índia, Itália, Inglaterra, etc. saíram à rua em favor dos palestinianos e contra a violência selvagem de Netanyahu. A senhora Ursula von der Leyen veio até distribuir mais uns milhões de euros de ajuda aos infelizes, mas antes, talvez por ser alemã como comenta, e bem, Ana Sá Lopes, foi a Israel acompanhada por Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu, dizer ao Governo para fazer o que quisesse aos palestinianos, que a Europa apoiava incondicionalmente. Tenho consideração por ela e espero continuar a ter. Contudo, é-me difícil aceitar que a Presidente discorde dos drones e foguetes lançados pela Rússia sobre Kiev e admita os que Israel lança sobre os territórios palestinos indefesos. Esta dualidade é-me insuportável. A ideia saiu decerto da cabeça de um iluminado de Bruxelas, bichanada por Washington e logo secundada pelos que em redor da mesa abanaram as cabeças duras e formatizadas, e assim nasceu o princípio de unidade da União Europeia. Dito isto, do que me é dado observar, Biden, que todos chamam velho, parece mais lúcido que os rebanhos que pastoreiam em torno dele. 

         - A França está em polvorosa. Os actos anti-semitas crescem depois do início da guerra em Israel e países limítrofes. Um professor foi assassinado; na Bélgica dois homens foram mortos por um jovem terrorista. As manifestações contra Israel proliferam por todo o lado. E lembrar-me eu que a França, desde pelo menos o século XIX, foi refúgio de toda a sorte de judeus, e o Estado francês incluiu a nacionalização dos que chegavam de todos os lados, particularmente da Rússia onde o czar Nicolau II não tinha qualquer espécie de respeito por eles. Por cá, como os do costume estão a favor do HAMAS e às ordens de Putin, é como sempre o futebol que ocupa as vidas airadas dos portugueses. Depois admiram-se que tenhamos o Presidente que temos, o primeiro-ministro, o Parlamento e de uma forma geral todos os governantes. 

         - Um retrato do país que (também) somos. Ontem, ao meu lado, estava um rapaz ao telefone durante toda a viagem até Fogueteiro. Falava com uma amiga e nós íamos seguindo a conversa porque ele tinha o som em alta voz. Pouco percebíamos do que ela dizia, mas escutávamos muito bem o que ele respondia. A bagalhoça ia seguindo e a dada altura pergunta o ordinário: “Estás a cagar ó quê!” O diálogo prosseguiu sem que ninguém se insurgisse com a linguagem, toda ela banhada de impropérios. Um grande silêncio e por fim um grito: “Ainda estás a cagar, não posso!” Já não se ouviu a resposta porque ele deixou a carruagem com o cheiro nauseabundo que brotava da sua boca. É esta a educação que prolifera de Norte a Sul. 

         - A consulta e a análise do exame ao olho esquerdo onde poderia estar a desenvolver-se o glaucoma, veio a revelar que não só tenho aquele olho impecável como o outro. Continuo a ter cerca de 85 por cento de visão, embora com uma pequena catarata no esquerdo e um ligeiro estrabismo no direito que eu controlo bem. Portanto, por enquanto, nada a fazer; nova consulta ficou marcada para Maio do próximo ano.