terça-feira, abril 05, 2016

Terça, 5.
De repente, à medida que vou avançando na revisão do Matmatu, instala-se a incerteza, o desânimo. Todo o entusiasmo que pus quando há três anos terminei o romance, esvaiu-se. Estou agora tolhido com as dificuldades de um projecto talvez demasiado ambicioso para as minhas faculdades. Escrever é uma actividade excessivamente solitária. Tudo o que se passa na página em branco que é preciso preencher, só ao escritor diz respeito porque só ele dispõe de todos os dados de um enigma que afinal lhe escapa – e isso é insuportável.

         - O pobre do Roman tem andado de Pilatos para Herodes. Ninguém parece condoer-se do seu sofrimento. Temo que ele nos morra nos braços.


          - Que seria da humanidade sem o sono das oito horas diárias. Milhões de pessoas, todas as noites, descem ao fundo de uma vida irreal que é indispensável à real muitas vezes absurda. Essa escapadela que nos isola do mundo de preocupações e desistências que é o nosso quotidiano, equilibra-nos e sustenta-nos tant bien que mal na corda translúcida dos dias. À noite entramos numa espécie de orgia que os sonhos e os pesadelos organizam para de dia tornarmo-nos mais humanos, mais conformes à disponibilidade de nos suportamos uns aos outros. Esta noite, rente à madrugada, veio falar comigo o João B. Há muitos anos que não sei nada dele. Logo, depois do jantar, vou telefonar-lhe. Sempre quero ver que relação tem com ele tudo quanto conversámos nessa vida irreal.