Terça, 5.
De repente, à medida que vou avançando na
revisão do Matmatu, instala-se a
incerteza, o desânimo. Todo o entusiasmo que pus quando há três anos terminei o
romance, esvaiu-se. Estou agora tolhido com as dificuldades de um projecto
talvez demasiado ambicioso para as minhas faculdades. Escrever é uma actividade
excessivamente solitária. Tudo o que se passa na página em branco que é preciso
preencher, só ao escritor diz respeito porque só ele dispõe de todos os dados
de um enigma que afinal lhe escapa – e isso é insuportável.
- O pobre do Roman tem andado de Pilatos para Herodes. Ninguém parece condoer-se
do seu sofrimento. Temo que ele nos morra nos braços.
- Que seria da humanidade sem o sono das oito horas diárias. Milhões de
pessoas, todas as noites, descem ao fundo de uma vida irreal que é
indispensável à real muitas vezes absurda. Essa escapadela que nos isola do
mundo de preocupações e desistências que é o nosso quotidiano, equilibra-nos e
sustenta-nos tant bien que mal na
corda translúcida dos dias. À noite entramos numa espécie de orgia que os
sonhos e os pesadelos organizam para de dia tornarmo-nos mais humanos, mais
conformes à disponibilidade de nos suportamos uns aos outros. Esta noite, rente
à madrugada, veio falar comigo o João B. Há muitos anos que não sei nada dele. Logo,
depois do jantar, vou telefonar-lhe. Sempre quero ver que relação tem com ele tudo
quanto conversámos nessa vida irreal.