Segunda, 11.
Há um mundo de coisas inexplicáveis que
eu aceito com naturalidade. Por vezes até dou maior relevância a esses
acontecimentos do que aos factos concretos, à soma de dois mais dois ser quatro. Por exemplo, esta manhã passadas as minhas sacrossantas sete horas de
sono, o meu cérebro sem ter despertado completamente, abriu uma clareira com
tal nitidez impondo-me a rectificação de um erro cometido nestas páginas,
precisamente sexta-feira, dia 8. Logo que pus os pés no chão corri ao
computador a verificar. Lá estava escrito “criam-no cá, aí o têm”. Em vez do
verbo Querer eu havia usado o verbo Criar, que, contudo, é irregular. Mas
enfim. O subconsciente não dorme e parece rebobinar os acontecimentos que por
ele passam e ao passar praticam as corruptelas que o ferem e é preciso
eliminar. Desta vez, sigo Morfeu.
- A Bélgica delira pelo facto de ter apanhado o grosso dos jihadistas
assassinos. No seu êxtase diz que o grupo que se fez explodir em Bruxelas,
tinha nos planos novo ataque a Paris. Os levados a cabo no aeroporto e no
metro, aconteceram em desespero de causa devido à captura de Salah Abdeslam supostamente
detentor de todas as acções. Pode ser. Ou pode ser também uma operação de
competência para limpar o laxismo que todos apontavam à polícia e às
autoridades belgas; ao mesmo tempo que as recoloca na desconfiança das
populações devido à facilidade como os terroristas puderam alterar os planos e
executá-los em poucos dias.
- A Primavera não encontra espaço para se instalar - o Inverno não
deixa. Ontem esteve aqui um dia depressivo, cinzentão, frio, chuvoso, triste,
daqueles dias em que me apetecia ter um pied-à-terre
ailleurs para fugir. Salvou-se a bela missa das 10,30 na igreja de S.
Julião. Para o norte, neva na Serra da Estrela.
- Há tanta coisa ruim que devo combater em mim. Por temperamento e
educação, ando muito atento a aspectos que me afastam da solidariedade
pertinente, da observação que penetra fundo naquilo que o outro esconde ou
resguardando padece para si. O sofrimento em primeiro, as necessidades básicas
logo a seguir. Vem isto a propósito da minha contribuição ontem para as obras
de beneficiação da igreja. Vivo como costume dizer no limite da dignidade. Possuo
um pé-de-meia para uma urgência qualquer. O dia-a-dia é contido porque não
quero apartar-me deste lugar santificado onde me sinto feliz no meio das
árvores, do silêncio, dos elementos da Natureza, onde penso, leio, escrevo em
paz. Por isso, administro as minhas finanças com contenção, um olho no elementar
– livros, viagens, saúde – outro no abismo da pobreza de que ninguém está imune
mesmo que arrote riqueza. Daí que tenha o péssimo hábito de fazer contas e
muitas vezes não ser ousado nas dádivas que por obrigação devia fazer. Ontem
combati (a vida é um combate permanente contra o egoísmo) essa má-formação em
mim e fui um pouco mais longe na minha dádiva. Tenho orgulho em nunca ter
dependido de ninguém, sempre ter vivido do meu trabalho, ter lutado com esforço
por aquilo em que acredito e tê-lo feito sem ambição, corrido apenas pela
alegria da vida desmultiplicada em afectos e coincidências culturais,
espirituais e sociais – e essa é a obra essencial que me orgulha.