segunda-feira, abril 11, 2016

Segunda, 11.
Há um mundo de coisas inexplicáveis que eu aceito com naturalidade. Por vezes até dou maior relevância a esses acontecimentos do que aos factos concretos, à soma de dois mais dois ser quatro. Por exemplo, esta manhã passadas as minhas sacrossantas sete horas de sono, o meu cérebro sem ter despertado completamente, abriu uma clareira com tal nitidez impondo-me a rectificação de um erro cometido nestas páginas, precisamente sexta-feira, dia 8. Logo que pus os pés no chão corri ao computador a verificar. Lá estava escrito “criam-no cá, aí o têm”. Em vez do verbo Querer eu havia usado o verbo Criar, que, contudo, é irregular. Mas enfim. O subconsciente não dorme e parece rebobinar os acontecimentos que por ele passam e ao passar praticam as corruptelas que o ferem e é preciso eliminar. Desta vez, sigo Morfeu.

         - A Bélgica delira pelo facto de ter apanhado o grosso dos jihadistas assassinos. No seu êxtase diz que o grupo que se fez explodir em Bruxelas, tinha nos planos novo ataque a Paris. Os levados a cabo no aeroporto e no metro, aconteceram em desespero de causa devido à captura de Salah Abdeslam supostamente detentor de todas as acções. Pode ser. Ou pode ser também uma operação de competência para limpar o laxismo que todos apontavam à polícia e às autoridades belgas; ao mesmo tempo que as recoloca na desconfiança das populações devido à facilidade como os terroristas puderam alterar os planos e executá-los em poucos dias.   

         - A Primavera não encontra espaço para se instalar - o Inverno não deixa. Ontem esteve aqui um dia depressivo, cinzentão, frio, chuvoso, triste, daqueles dias em que me apetecia ter um pied-à-terre ailleurs para fugir. Salvou-se a bela missa das 10,30 na igreja de S. Julião.  Para o norte, neva na Serra da Estrela.


         - Há tanta coisa ruim que devo combater em mim. Por temperamento e educação, ando muito atento a aspectos que me afastam da solidariedade pertinente, da observação que penetra fundo naquilo que o outro esconde ou resguardando padece para si. O sofrimento em primeiro, as necessidades básicas logo a seguir. Vem isto a propósito da minha contribuição ontem para as obras de beneficiação da igreja. Vivo como costume dizer no limite da dignidade. Possuo um pé-de-meia para uma urgência qualquer. O dia-a-dia é contido porque não quero apartar-me deste lugar santificado onde me sinto feliz no meio das árvores, do silêncio, dos elementos da Natureza, onde penso, leio, escrevo em paz. Por isso, administro as minhas finanças com contenção, um olho no elementar – livros, viagens, saúde – outro no abismo da pobreza de que ninguém está imune mesmo que arrote riqueza. Daí que tenha o péssimo hábito de fazer contas e muitas vezes não ser ousado nas dádivas que por obrigação devia fazer. Ontem combati (a vida é um combate permanente contra o egoísmo) essa má-formação em mim e fui um pouco mais longe na minha dádiva. Tenho orgulho em nunca ter dependido de ninguém, sempre ter vivido do meu trabalho, ter lutado com esforço por aquilo em que acredito e tê-lo feito sem ambição, corrido apenas pela alegria da vida desmultiplicada em afectos e coincidências culturais, espirituais e sociais – e essa é a obra essencial que me orgulha.