sexta-feira, abril 01, 2016

Sexta, 1 de Abril.
Anteontem entrei na Brasileira para satisfazer os meus amigos artistas que reclamavam já há uns dias a minha presença. Cheguei a Lisboa por barco, atravessei a Praça do Comércio sem sombras nem esqueletos, subi o Chiado vazio, e só então me dei conta como estou desfasado da vida lisboeta. A começar pelo horário de abertura das lojas. Antes, se não estou em erro, todas franqueavam portas às nove da manhã. Hoje é às dez. Todavia, foi com grande prazer que veraneei pela Baixa despovoada. Transitava no ar um leve aroma a aldeia e ia jurar que respirei até o perfume de uma lareira acesa algures, num desses andares lúgubres, hoje transformados em hostel que pululam como pragas pela zona pombalina. As velhas lojas de um charme encantador já faleceram, os cafés-catedrais de convívio e tertúlia política foram eclipsados por coisas frágeis de gosto, banais, the same, iguais aos que se vêem em Paris ou Madrid, liofilizados a um ponto que temos medo de apanhar uma pulga ou percevejo vingativo, tão descaracterizados que não assentamos arraiais senão por minutos. Não é tanto que deseje a todo o custo as velhas carcaças que sustentam a vida agradável desaparecida, mas o que veio depois são monstruosidades rústicas, a imitar qualquer coisa que chega de longe, a uniformizar a paisagem urbana, onde respiramos os mesmos odores, comemos a mesma comida mandibulada, sentimos a mesma atmosfera sob o fundo recolhido da pobreza armada para nos alcandorar a alturas de metrópole europeia. Todos diferentes, todos iguais. E nesse cavado são despejadas as características de um povo, a sua personalidade, originalidade, a maneira descontraída de viver. Querem-nos formatados, globalizados. São os ricos que ganham com isso, porque eles esgueiram-se para os lugares originais, construídos como peças únicas, onde a turbamulta não tem acesso.


         - Eu faço parte do número de amigos que trouxe o Roman de volta a Portugal. Fui visitá-lo ontem a casa do Fortuna que o acolheu. Está com cancro no estômago em estado adiantado e o exército ucraniano queria obrigá-lo a batalhar na sua fragilidade. Vai ser operado no IPO brevemente. Não gostei nada da cor que tem, mas incitei-o a combater o mal. Disse-me que tem dores horríveis. Um homem potente, forte, cheio de força, está reduzido a uma alface delicada. Contudo, da máscara de sofrimento, arranquei-lhe por momentos o seu precioso e caro sorriso.