sexta-feira, janeiro 20, 2023

Sexta, 20.

Faz hoje oito dias que estive a almoçar no 1900 com a Carmo e o João. Almoço desastroso (bem me previnem alguns leitores do quanto somos opostos e surpreendem-se porque insisto eu nestes rendez-vous) devido mais uma vez aos campos políticos que nos separam. A coisa foi tão violenta, que todo o restaurante me pareceu aguardar que nos virássemos ao soco. No intervalo da controvérsia, quando o João se levantou para ir ao balcão escolher a sobremesa, a Carmo diz-me: “Já devias saber que com ele não se pode falar de política.” Sim. Todavia, a pobre da Carmo ia dando-lhe razão, numa mistura ideológica tola, espécie de conversa de “menina bem” de que não gostei nada. No adiantado da discussão, perante o estado do Governo, o perigo de cairmos num regime extremista, perguntei ao meu adversário e amigo, quem queria ele que ocupasse o poder (tendo em conta a situação actual). Resposta pela primeira vez curta e objectiva: “O PCP que é quem pode combater a luta de classes.” Fiquei boquiaberto. Ele nunca admitira ser comunista, mas sim MDP-CDE com quem, de resto, o Partido se aliou na Assembleia Nacional. Tenho simpatia pela personagem, porque é curiosa e sob certos pontos de vista, nomeadamente, a óbvia contradição da narrativa marxista em paralelo com a sua vida prática; o contexto político-pardidário do momento; a adoração a Lenine e ao bolchevismo; os esquemas políticos que mudam consoante a acção que se interpõe; o circuito pessoal que o cerca; onde ele se encaixa como peça lubrificada constantemente de modo a que o todo não perca funcionalidade; o duplo que há nele no arrumo dos combates morais ou intransitivos, cobertos por uma fachada ideológica que se opõe à práxis quotidiana. Gritei: “Se um dia o PCP tomar o poder, eu saio no dia seguinte do país! Não preciso de muito para o fazer. Basta-me conhecer o que se passa hoje na China, Coreia do Norte, Cuba, países pobres da América Latina, para não falar do tremendo susto que é a Rússia de Putin.” Dito isto, abandonei a mesa e parti. O que se passou nos dias seguintes, sábado e domingo, narrarei amanhã. 

         - Tudo leva a crer que o sacristão não escapa à leva dos visados em carambolas de toda a ordem. A próxima semana nos esclarecerá. Quanto a mim, nunca tive dúvidas que o pio homem esconde atrás da figura de menino que não parte um prato, um vulcão ávido de possuir este mundo e o outro. O problema é se ele cai, o pároco vai atrás.