domingo, janeiro 29, 2023

Domingo, 29.

Ontem, fez-se aqui e em todo o dia, magia. O John, meu vizinho inglês, passou de carro no caminho aqui em frente e decidiu entrar vendo-me a fazer uma queimada junto ao portão. No salão, tomámos café. A dada altura, digo-lhe que a nível de música há meses que não ouço uma nota. Admirou-se vendo toda a aparelhagem sobre a estante. Conto-lhe do leitor de CDs adormecido na loja dos arranjos vai para seis meses. Indaga porque não vou por ele; respondo que me chateiam confrontos e prefiro ficar sem o meu Pioneer. Propõe-me lá ir comigo assim que eu possa. Entretanto, olhando para o aparelho, pergunta-me se ouço LPs, respondo que ouvia quando a caranguejola funcionava. Vai pesquisar e descobre que é apenas necessário ligá-lo à corrente. Avanço para junto dele descrente do que ouço. Ele puxa por um fio recuado no fundo da prateleira, engata-o numa entrada do sintonizador e dá-me ordem para pôr no gira-disco um LP. De súbito, para minha grande alegria e surpresa, ribomba na sala um excerto de Vivaldi. Não caibo em mim de contentamento, enquanto ele me olha descobrindo decerto um qualquer louco apartado da normalidade. Refastelámo-nos a escutar um pedaço das Quatro Estações e, embalado pelo entusiasmo da música que não escutava há tanto tempo e derretido pela sua capacidade engenhocas, pergunto-lhe se é possível substituir o comando da TV que deixou de funcionar. Olhou o objecto, pede-me álcool e cotonetes e uma chave de parafusos e mesa onde se possa sentar. Desmonta o comando, com a cotonete e o álcool escova todos os circuitos, volta a aparafusar tudo e como por magia a televisão aceitou de novo as ordens do comando. Depois, não sei a que propósito, diz-me que adora fazer vitrais. Como adivinhou ele? Convido-o a subir ao primeiro andar e junto à biblioteca digo-lhe que sonho há muito tempo colorir os vidros da pequena janela que se encontra ao lado da grande estante que vai de um lado ao outro da parede. John não me ouve, encantado com a casa, tecendo na sua língua materna e na aromatizada portuguesa todas as loas possíveis e imagináveis. Adorou os quartos, as casas de banho com as pinturas do Fortuna, a atmosfera de conforto que aqui se respira. Observo-lhe que não há nada de ostentatório, tudo é muito simples. Concorda e acrescenta que é uma casa serena, diurna, e insistia: “cosy, very cosy”. Em breve vem fazer os vitrais que tanto desejo e estou certo ficam ali muito bem. 

         - Embalado pelo entusiasmo, depois do almoço e da leitura sacramental, ao sol, fui retomar o trabalho de cortar o mato que se agigantou do lado sul em frente ao salão. Agora que a lava-garrafas jaz junto à parede a secar, toda a amplidão do espaço foi vencida e os horizontes rasgaram-se levando o olhar até ao caminho onde quase não passa ninguém, e quem passa é vizinhança sã que me cumprimenta e com quem por vezes troco dois dedos de conversa. Se amanhã não for a Belas visitar com o João Corregedor a pintora Teresa Magalhães, conto terminar este lado e de seguida, noutra altura, começar a limpar em torno da piscina.  

         - O país que somos, pode gastar 100 milhões de euros (é agora o valor que os jornais e televisões apregoam) com a vinda do Papa Francisco. Um escândalo num país pobre, que mantém os reformados no encalacrado das suas existências, os hospitais à rasca, os professores na pobreza, a indústria sem apoios, o número de pores a crescer, o quadro geral de Portugal numa miséria, governado pelo pior Governo pós-25 de Abril. 

         - Dois gritos que vale a pena registar o dos professores: “Para os altares há milhões, para nós só tostões.” O de D. Américo Aguiar, bispo auxiliar de Lisboa: “Confesso que o número me magoou. Se não percebesse que me magoava, teria de ir ao Júlio de Matos.” 

         - Frio: 3 graus negativos quando acordei.