segunda-feira, janeiro 16, 2023

Segunda, 16.

O país continua voltado do avesso. Professores acampam, noite e dia, à porta do Ministério da Educação depois de um mês de greves; a polícia, solidária, enfim, com a população, entrou também em greve; os bancários idem; somam-se os senhores representantes da nação que são corridos dos seus postos por corruptos e ladrões, por isto e por aquilo, nos desnorte do Governo António Costa. há três dias entrou para a lista dos infelizes, um tal Pedro Magalhães Ribeiro, assessor do primeiro-ministro, todos parece terem descoberto a ética a que alguns chamam “ética republicada”, e eu gostaria me informassem o que é. Porque todas estar questões na boca dos políticos que nos couberam na farinha Amparo, andam muito longe do “cogito ergo sum” de Descartes. 

         - Atentemos, então, no célebre questionário (não falo do de Proust) construído por Costa para tentar escapar às suas responsabilidades nas escolhas partidárias. Aquilo não é mais que um atestado de irresponsabilidade à dita classe política, tendo-a como um bando de rufias, vindos não se sabe de onde, sem ética (lá está) nem moral, acossados apenas pela loucura do poder. Ele, Costa, ignora que o Bem e o Mal vêm de cada um de nós com a carga de relatividade da nossa visão do mundo e das situações. É intrínseco em nós quando fomos suficientemente preparados e educados, com consciência de sabermos que não existimos para nós, mas para a realidade outra que nos ultrapassa enquanto seres colectivos. Nem me quero meter pelos meandros apertados de Espinosa para quem a ética é imanência e transcendência, na medida em que o filósofo do século XVII, duma família de judeus portugueses, considerava-a uma necessidade de Deus. Abstracções para a nossa camada política, quase toda formada em Direito, portanto, sem curiosidade por Kant e Hegel, tomando a matéria que os formou como trampolim para chorudos ganhos e importância, assente em estratégias e códigos e regras por eles criados, suficientemente abstractos de modo a provocar o espectáculo da eloquência em tribunal e a distinção entre pares. De contrário, não teríamos justiça para ricos e para pobres; aqueles arrastada por séculos; estes humilhados no imediato com direito a serem exibidos nas televisões, expostos às iras das populações iletradas para quem o crime é a melhor forma de enaltecer a Justiça. 

Acontece, porém, que as 36 perguntas do inquérito, não transformam por magia o candidato a ministro ou secretário de Estado num ser virtuoso e honesto cidadão. Se ele não é na sua formação enquanto pessoa, no íntimo da organização moral que o formou, na abnegação em assumir o cargo público não para se governar, mas para acudir ao país, aos seus concidadãos, às urgentes tarefas da justiça, da educação, da pobreza, da saúde, assente em razões éticas, morais e no contributo para um mundo melhor, se estes não são os objectivos, então mais vale reduzir-se à insignificância de ganhar a vida a lutar no vazio, uma inutilidade qualquer: enriquecer, ociosidade, horas a ver televisão, não falhar um jogo de futebol, esperar a morte de olhos posto na Bolsa. 

         - Diversas razões afastaram-me deste registo. Entre elas a morte de Sebastião Fortuna que me causou um profundo desgosto. O pároco da Quinta do Anjo que lhe deu a Extrema-Unção no hospital de S. Bernardo, perguntou-lhe, pouco antes de expirar, se queria deixar uma palavra: “Sejam amigos uns dos outros!” Ontem na missa, antes do enterro, onde não cabia uma mosca e os presentes se estendiam pelo terreiro fronteiriço à igreja, os três sacerdotes que participaram no ofício defunto, e dois amigos de provecta idade que lhe fizerem o elogio fúnebre, assinalaram a característica mais marcantes do desaparecido: a necessidade de acudir a quem precisava.