quarta-feira, janeiro 04, 2023

Quarta, 4.

No Irão prosseguem as condenações à morte. Mais dois rapazes com 25 anos, foram condenados a morrer por enforcamento - dois mártires da liberdade. Mesmo assim, os manifestantes não desarmam e nas ruas continuam os protestos contra o regime opressor e assassino. Tanto atentado aos direitos humanos e à vida tout court por um véu mal usado! 

         - Nós por cá estamos óptimos. Sucedem-se greves dos professores e dos comboios. Uma moção de censura vai ser discutida no Parlamento contra o susto socialista que nos desgoverna. 

         - Almocei com o Mário na Confeitaria Nacional (casa fundada em 1829). Há muito tempo que não estávamos juntos e foi por isso um encontro estimado, abundantemente contado, por onde passou de tudo ao correr das duas horas que estivemos à mesa. Falando da sociedade de consumo que se aproveita das épocas puramente cristãs, ele disparou: “Com tudo o que vejo, prefiro o da Ressurreição (a Páscoa) ao nascimento de Jesus (o Natal)." O problema é que não há Ressurreição sem nascimento, mas percebo o que ele quer dizer e concordo com a sua indignação. 

         - Não sei se anotei esta passagem quando da primeira leitura de Toute Ma Vie. Vale, contudo, a pena trazê-la aqui porque ela revela o sentir de Green, a luta que toda a vida empreendeu entre a obsessão sexual e o desejo de viver em comunhão com Deus que ele dizia ser impossível enquanto não se libertasse do “pecado da carne”. No seu caso, duplamente censurável (segundo ele) por se satisfazer com rapazes e não conseguir libertar-se de um rosto belo, de umas coxas roliças, de um corpo perfeito. O escritor, está com 46 anos, acabado de regressar a Paris vindo dos EUA onde permanecera enquanto a Europa estava em guerra. “Hier, obsédé par le souvenir du garçon de la rue Suret (um sítio de prostituição que cobrava 200 francos por cliente). Il a un admirable cul d´une couleur ambrée que je ne me lasse pas de caresser le visage collié à ces fesses parfaites, la langue enfoncée dans ce petit trou élastique. Le garçon aime cette caresse et bande ferme. L´autre jour, l´écoutant dire ce qui faisaient d´autres clientes, j´ai eu l´idée de le fesser, désir que je porte en moi depuis l´âge de vingt ans, peut-être même plus longtemps, car mes tout premiers dessins (sixième et septième années) représentaient des scènes de fustigation. J´avais déjà fessé Erik Meier à Copenhague parce qu´il ne voulait pas se laisser baiser. J´ai fessé ce garçon-ci plus longtemps et plus fort, avec un plaisir extrême. Il m´a assuré ensuite que je ne lui avais pas fait mal, mais que certains clients tapaient trop fort. Étrange plaisir. Presque tous mes dessins de 1935 à 1940 montraient des garçons en culotes courtes corrigeant des garçons plus jeunes. Il y a des traces de cette propension dans mes livres (Le Visionnaire et Minuit surtout où les éléments de la scène de fustigation sont séparés: Serge d´une parte et le fils du châtelain de l´autre). Ce n´est pas le visionnaire qui aurait dû recevoir le coup de cravache, mais Serge (et non sur le visage), Serge n´étant autre que Johan Siegl, de Vienne.” Uma tal confissão, original em qualquer escritor e ainda mais em Julien Green considerado um autor católico, trouxe para a literatura um clarão de verdade dificilmente comparável. Uma tal liberdade vai de par com os seres livres que comungam do perdão da inocência. 

         - Voltei a acender a lareira. Hoje está frio e quando cheguei encontrei a casa gélida. Depois de ter cá estado o técnico a substituir o vidro que se partiu (há duas semanas), que não me aquecia ao fogo que dimana conforto por todo o salão.