quinta-feira, janeiro 26, 2023

Quinta, 26.

“E, no entanto, há coisas tão simples na vida! Quem escolhe e nomeia é responsável. Quem não cumpre a lei é castigado. O desonesto é condenado. O incompetente é afastado. Quem rouba é julgado. Quem favorece os seus é denunciado. O que corrompe é punido e o que se deixa corromper é justiçado. Métodos simples e conhecidos que dispensam os questionários virtuosos que escondem mais do que revelam. A começar pela declaração de rendimentos e pelo registo de interesses entregues no Tribunal Constitucional, uma, na Assembleia da República, outro, E que agora, pelos vistos, não servem para nada.” Respigado do artigo de António Barreto no Público de sábado passado, e que não é mais que uma regra de conduta há muito barrada da existência dos nossos políticos e de muita gente dita culta e instruída em leis e tratados e de joelhos ante o Criador. 

         - Bem prega frei Barreto. A verdade é esta: foi graças à crise despoletada pelo SARS-Cov-2 e à guerra na Ucrânia, que o verdadeiro país que somos, governado por uma cambulhada de incompetentes e gatunos, atirou com raiva o cobertor de rosas que cobria a sua nudez humana e social e saiu à rua nas madrugadas gélidas deste mês de Janeiro. São madrugadas que não cantam, choram um choro que magoa as mulheres e homens honestos que felizmente ainda existem e trabalham de sol a sol para pagar impostos chorudos que tanto jeito dão no bolso dos políticos que nos couberam na rifa da nossa calamidade. Louvo todas as manifestações e revoltas dos professores, dos polícias, das assistentes operacionais (como agora se chama àquelas que limpam, cozinham ou servem nos lares e casas privadas), empregados da TAP, trabalhadores agrícolas, auxiliares hospitalares, reformados, e também incentivo a país inteiro a recusar um Governo onde desaguam todos os dias escândalos de toda a ordem. Este é o nosso Portugal e não aquele onde a disparidade salarial, as mordomias, os títulos falsos, a arrogância e o poder pelo poder impera, as negociatas escondidas consertadas com o dinheiro que falta nos hospitais, nas universidades, nas escolas, na ciência, na vida digna que nos é devida em democracia e enquanto deres humanos. Chega de propaganda barata, de mentiras, do sufoco do fim do mês, quando à nossa volta, estrangeiros e nacionais, uma elite sem competências especiais, ministros disto e daquilo, secretários, gestores, diretores, chefes ganham num mês aquilo que milhares de portugueses empurrados para a pobreza não auferem num ano. 

         - E passo porque não quero chafurdar em mais uma trampa diária, desta vez na pessoa da autarca de Idanha-a-Nova, a senhorita Idalina Costa, socialista bem entendido. O Ministério Público acusa a presidente de falsificar uma acta onde consta que ela não teve qualquer responsabilidade na contratação do marido como médico numa instituição de solidariedade. Acontece que nada constava até 2018 sobre a decisão tomada em 2011, pouco antes de cessar o seu mandato e quando MP estava a investigar o caso. É neste lodo que o país se encontra. 

         - Ontem, tomado da nostalgia dos domingos londrinos, quando me levantava cedo para ir ao encontro do Christian Berteaux, a cidade deserta àquela hora e juntos éramos dos primeiros a entrar na Tate Gallery, deu-me uma vontade irresistível de ir ao velho Museu Gulbenkian. A ligação entre um e outro museu, foi William Turner, a sua admirável obra que encheu de júbilo todo o século XVIII. Ficávamos horas sentados diante deste quadro, em êxtase, tentando descobrir o que havia nele de dramático e, simultaneamente, de efémero, de luta pela vida. Vida que nós estávamos a iniciar, montados na insouciance que nos alargava os horizontes e nos levava à perdição, à grande liberdade que Portugal brevemente iria conhecer. Era uma tela de grande dimensão, que ficava junto a uma janela larga e tinha em frente um banco. Aí nos detínhamos por mais de uma hora, quase sempre em silêncio, com o fundo da cidade que ia acordando lá longe, para lá do jardim. Depois o prazer da bica com um delicioso Chocolate Cake, saboreado no pequeno café do museu, o tempo todo por nossa conta, a descoberta, a aventura, o ir indo no balancear doido dos dias, como o mar do pintor sem chão nem dimensões… 

Sheerness vista de Nore (julgo que é este o título)

         - A tarde no Gulbenkian, admirando pela enésima vez o quadro Naufragem, foi a doideira de sobreposições de recordações. Estive em Londres e ali, noutros domingos de manhã quando tinha o religioso hábito de deixar a Rua do Salitre para passar horas naquele que era na altura o único sítio digno de se ir. Era a única catedral de cultura, um espaço de liberdade com a sua enorme janela do grande café (hoje restaurante) aberta sobre o jardim cheio das cores e da atmosfera de Turner. Ali encontrava o encenador Alexandre Ribeirinho, que morava perto, e tantos outros amigos e escritores como o Alexandre Cabral. Tantas histórias por aquelas salas começaram, arrastadas depois para o jardim, os WC, os fugidios olhares aos carros parados na Av. Berna à espera da salvação ou da condenação, os vigilantes escolhidos a dedo por um certo administrador e cala-te boca, não recordes o país oprimido que se realizava   entre portas… 



O Naufrágio 

Pormenor

         - A temperatura atingiu 2 graus negativos por aqui. Está, enfim, muito frio. O frio que me recorda o ano em que comecei a restaurar a casa térrea e as árvores e todo o espaço.  

         - Dia grande foi o de ontem. Trabalhei toda a manhã no romance, não vim aqui torturar-me e fui depois do almoço ao encontro de William Turner.