Sexta, 4.
A passagem
do furacão Lorenzo pelos Açores deixou um manto de destruição e muitas famílias
sem casa. Ondas que chegaram a atingir quase vinte metros, entraram pelas Fajãs
das Flores e Corvo para espanto das populações portanto habituadas às
tempestades tropicais. O porto das Lages das Flores ficou reduzido a um monte
de destroços, os acessos às duas ilhas reduzidos. Pensei naquela família que eu
visitei numa fajã das Lages e me deu o seu diário a ler, uma mulher e um homem
idosos, que ali viviam na completa solidão.
- Jerónimo de Sousa perguntou ao
Governo como foi possível que só este ano, com um ministro glorificado em
Bruxelas e cá dentro tido como “o homem das contas certas”, tivessem viajado
para os paraísos fiscais 200 milhões de euros! Nenhuma voz ecoou para responder
à questão.
- Trinta minutos intensos de natação:
jubilação, prazer, liberdade.
- Recebidas as últimas análises ao
colesterol. Perfeitas o que prova que somos o que comemos. Os 60 gramas a mais, desapareceram.
- Os decibéis prometem baixar muito a partir
de hoje. As caravanas dos feirantes de produtos contrafeitos vão encostar às
boxes por algum tempo. Ufa!
- E retrato dos políticos não muda
mesmo ante a morte. Freitas do Amaral faleceu ontem. Desde então não há político
nenhum que não lhe teça loas de qualidades. O CDS, o partido que fundou com
Adelino Amaro da Costa, quando ele discordou das suas directivas e foi encostar-se
ao PS, varreu-o janela fora e correu a entregar na sede dos socialistas o seu retrato
de Presidente. Hoje dizem que ele é um modelo de referência para eles e para a
democracia. A hipocrisia entre nós, serve-se gélida.
- Não cesso de me pôr esta
interrogação: porque motivo Julien Green quis deixar de si uma ideia tão oposta
às suas convicções religiosas, à lembrança de uma pessoa que parecia ter
sublimado e até ultrapassado as questões sexuais por amor à palavra de Jesus, à
imagem de um homem sage que
pacientemente foi construindo? O que vou lendo desse outro Green, é o de um
homem devasso, cruel em certa medida, que perseguia crianças de 10, 11, 12 anos
à saída das escolas, que pagou a prostitutos de meia tijela, enfim, o contrário
de tudo aquilo que em dezoito volumes do Journal
nos impingiu. Note-se: não faço juízos morais; não me surpreendo com nada do que leio do
ponto de vista da práxis sexual, cada um faz o que lhe apetece e com quem
quiser, não tenho nada a ver com isso nem me escandalizo. Mas Julien Green era
uma espécie de cardial com o seu báculo imponente de sensibilidade e respeito,
autoridade moral e grandiosidade de equilibro, um exemplo para os seus muitos
leitores, entre os quais várias gerações de religiosos. Não vou ao ponto de lhe
exigir que fizesse como o Papa Bento XVI da homossexualidade não praticante uma
regra de vida, um platonismo que tanto nos comove. O que eu reprovo – se assim
devo dizer – é ter-nos vendido uma imagem falsa, uma conduta de vida plena da
mensagem do Senhor nos livros e fora deles, outro Green, o verdadeiro,
conspurcado como qualquer monstro perseguido por vícios hediondos. Eu sei que
Deus tem particular encanto pelos pecadores, mas deixar na terra o sudário de uma
pureza ludibriada, custa a admitir a um artista. Melhor anda e mais
honestamente Gabriel Matzneff, sem que com isso perca a grandeza intelectual.
Muitos de nós sabemos pelos seus romances e peças de teatro que está lá plasmado
as suas obsessões sexuais, mas não imaginávamos o que durante anos acontecia
atrás dos reposteiros, nas latrinas públicas, nos jardins e bares. Fiquemos,
contudo, com a esperança que a partir de 1956 uma mudança ocorreu. Fiquemos?
Não sei. Jean Chalon que o conhecia, diz no seu Diário, que quando da morte da
irmã Anne, Green exibia um desgosto fingido e era visível que o seu desaparecimento
foi um alívio porque então podia fazer a vida com Éric Jourdan com que sempre
sonhara. Mas esperemos por 2021 para ver se assim aconteceu. Ou se o amante que
lhe devorou e controlou a existência, não foi o suspiro sensual que perdurou
até ao fim. Enfim, em socorro de Green e de todos nós, esta frase de Yeats: “La
tragédie des rapports sexuels est la perpétuelle virginité des âmes.”
Green no fim da vida, rue Vaneau |