sexta-feira, outubro 04, 2019

Sexta, 4.
A passagem do furacão Lorenzo pelos Açores deixou um manto de destruição e muitas famílias sem casa. Ondas que chegaram a atingir quase vinte metros, entraram pelas Fajãs das Flores e Corvo para espanto das populações portanto habituadas às tempestades tropicais. O porto das Lages das Flores ficou reduzido a um monte de destroços, os acessos às duas ilhas reduzidos. Pensei naquela família que eu visitei numa fajã das Lages e me deu o seu diário a ler, uma mulher e um homem idosos, que ali viviam na completa solidão. 

         - Jerónimo de Sousa perguntou ao Governo como foi possível que só este ano, com um ministro glorificado em Bruxelas e cá dentro tido como “o homem das contas certas”, tivessem viajado para os paraísos fiscais 200 milhões de euros! Nenhuma voz ecoou para responder à questão.

         - Trinta minutos intensos de natação: jubilação, prazer, liberdade.

         - Recebidas as últimas análises ao colesterol. Perfeitas o que prova que somos o que comemos.  Os 60 gramas a mais, desapareceram.

         - Os decibéis prometem baixar muito a partir de hoje. As caravanas dos feirantes de produtos contrafeitos vão encostar às boxes por algum tempo. Ufa!

         - E retrato dos políticos não muda mesmo ante a morte. Freitas do Amaral faleceu ontem. Desde então não há político nenhum que não lhe teça loas de qualidades. O CDS, o partido que fundou com Adelino Amaro da Costa, quando ele discordou das suas directivas e foi encostar-se ao PS, varreu-o janela fora e correu a entregar na sede dos socialistas o seu retrato de Presidente. Hoje dizem que ele é um modelo de referência para eles e para a democracia. A hipocrisia entre nós, serve-se gélida.  


         - Não cesso de me pôr esta interrogação: porque motivo Julien Green quis deixar de si uma ideia tão oposta às suas convicções religiosas, à lembrança de uma pessoa que parecia ter sublimado e até ultrapassado as questões sexuais por amor à palavra de Jesus, à imagem de um homem sage que pacientemente foi construindo? O que vou lendo desse outro Green, é o de um homem devasso, cruel em certa medida, que perseguia crianças de 10, 11, 12 anos à saída das escolas, que pagou a prostitutos de meia tijela, enfim, o contrário de tudo aquilo que em dezoito volumes do Journal nos impingiu. Note-se: não faço juízos morais;  não me surpreendo com nada do que leio do ponto de vista da práxis sexual, cada um faz o que lhe apetece e com quem quiser, não tenho nada a ver com isso nem me escandalizo. Mas Julien Green era uma espécie de cardial com o seu báculo imponente de sensibilidade e respeito, autoridade moral e grandiosidade de equilibro, um exemplo para os seus muitos leitores, entre os quais várias gerações de religiosos. Não vou ao ponto de lhe exigir que fizesse como o Papa Bento XVI da homossexualidade não praticante uma regra de vida, um platonismo que tanto nos comove. O que eu reprovo – se assim devo dizer – é ter-nos vendido uma imagem falsa, uma conduta de vida plena da mensagem do Senhor nos livros e fora deles, outro Green, o verdadeiro, conspurcado como qualquer monstro perseguido por vícios hediondos. Eu sei que Deus tem particular encanto pelos pecadores, mas deixar na terra o sudário de uma pureza ludibriada, custa a admitir a um artista. Melhor anda e mais honestamente Gabriel Matzneff, sem que com isso perca a grandeza intelectual. Muitos de nós sabemos pelos seus romances e peças de teatro que está lá plasmado as suas obsessões sexuais, mas não imaginávamos o que durante anos acontecia atrás dos reposteiros, nas latrinas públicas, nos jardins e bares. Fiquemos, contudo, com a esperança que a partir de 1956 uma mudança ocorreu. Fiquemos? Não sei. Jean Chalon que o conhecia, diz no seu Diário, que quando da morte da irmã Anne, Green exibia um desgosto fingido e era visível que o seu desaparecimento foi um alívio porque então podia fazer a vida com Éric Jourdan com que sempre sonhara. Mas esperemos por 2021 para ver se assim aconteceu. Ou se o amante que lhe devorou e controlou a existência, não foi o suspiro sensual que perdurou até ao fim. Enfim, em socorro de Green e de todos nós, esta frase de Yeats: “La tragédie des rapports sexuels est la perpétuelle virginité  des âmes.”
Green no fim da vida, rue Vaneau