Quarta, 16.
Tenho de me aplicar mais nas correções do
romance se o quiser terminar antes de deixar o país e não ter de carregar com o
dossier de trezentas páginas. Vou confessar uma coisa embora com todas as
reservas que tal afirmação provoca em primeiro em mim e depois em quem me ler: O Juiz Apostolatos é um trabalho muito
interessante. Isso vou-me eu apercebendo à medida que me aproximo do fim. Há,
contudo, no primeiro capítulo muito joio que não me agrada. Na terceira
passagem que conto fazer em Paris à média de 10 páginas por dia, devo trabalhar
na versão definitiva. Este trabalho que decerto os editores vão achar o máximo,
mas por baixo da mesa me demandam 3 mil euros para o publicar, sem que antes me
rotulem de génio, terá o destino de mais uns quantos – o silêncio no fundo da
arca. Que importa! Sou atacado muitas vezes, algumas a meio da noite, com o
sentimento de nulidade que me cerca e só a arte derruba por nela me apoiar e a ter
por confidente. Há, todavia, uma certeza a que não consigo renunciar nem ceder
nos momentos mais difíceis: não quero nunca mais bajular medíocres,
gananciosos, nem ter de passar por tipos desonestos – como o último editor –
que me ficou a dever 12 mil euros de direitos de autor. Logo, o facto de já não
esperar nada de ninguém, instalou em mim uma sensação de liberdade, de
serenidade, uma sorte de bem-estar próxima do
mendigo sem pouso, sem pátria, sem dinheiro e sem refúgio algum. Livre como as
manhãs limpas de todas as mágoas e ambições.