sábado, outubro 26, 2019

Sábado, 26.
Não sei o que deu aos meus dois vizinhos. O que me abraça pelas costas, quero dizer, me cerca pelo largo espaço envolvente de vinha resplandecente e o que me fecha na frente, separados pelo caminho de terra batida. Este, que durante anos depois de ter ganhado uns patacos no tempo de Cavaco Silva, quando entravam no país milhões por dia, cuja história contei noutras páginas deste registo, mandou agora lavrar os vários hectares da sua propriedade, oferecendo o espectáculo belíssimo da terra limpa e terraplanada, campo de pássaros que todo o santo dia depenicam no solo. Não sei o que vai sair dali; sei que ambos estão a valorizar este meu lugar tornando-o num sítio onde tudo desabrocha de beleza e serenidade, verdura e céu azul de dia e estrelas de um brilho intenso de noite. Agora nem por dez milhões daqui me aparto.

         - A propósito de Malagrida chego a Blaise Pascal que nasce em 1623, portanto, um século antes do padre jesuíta. A Companhia de Jesus, no século XVIII, estava solidamente implantada em Portugal e Brasil, quando o Marquês de Pombal se ocupa de correr com ela daqui para fora. Mas na França e em outros países, há muito que os jesuítas eram amaldiçoados e o filósofo francês foi um dos que tomou a dianteira na denuncia dos esquemas demasiados temporais, oportunistas e pouco espirituais dos discípulos de Loyola. Grande percentagem dos seus Pensamentos são dedicados ao combate por vezes feroz contra os valores de superioridade do clero monástico. Por exemplo, a tomada de decisão do papa Clemente XIII, em 1759, para que Gabriel Malagrida fosse condenado pelos jesuítas e, portanto, pela Inquisição, é prova do poder que a Companhia de Jesus tinha entre nós, pese, todavia, a existência no nosso território de outras ordens religiosas como a dos dominicanos de São Domingos de Gusmão, cuja intolerância e algozaria, era temida. Aliás, foram eles que introduziram em Portugal a Santa Inquisição. De resto, por obra de D. João V que tinha no paço real uma chusma de padres e até o seu primeiro-ministro era jesuíta. D. José I seguiu-lhe os passos, embora o marquês de Oeiras tudo fizesse para correr com a seita que dominava não só o rei e a rainha, como as instituições do país. A Companhia era mais rica que Portugal e a nobreza de então. Possuía conventos, escolas, hospitais, propriedades. Aqui e no Brasil a sua enorme abastança não se comparava com nenhuma outra. Eles jogavam com o obscurantismo, a miséria e pobreza do povo e a pouca formação dos nobres. Tanto D. João V como o filho, nada fizeram pela educação do povo, enredados num snobismo, na mania das grandezas e no fausto para impressionar. Todo o século XVIII foi dominado pelo vazio, a aridez de uma classe dita nobre, saloia, o pauperismo, a indiferença às pessoas, a choldra onde nada funcionava e todos viviam à grande e à francesa, refiro-me aos grandes senhores da monarquia. Que não eram cultos por aí além, embora tivessem meios. Talvez se distinguem-se os Távoras que Pombal por inveja mandou barbaramente assassinar, utilizando os métodos da dita Santa Inquisição. À excepção dos franciscanos que foram de todas as ordens religiosas a mais equilibrada, o século de D. João V e D. José I foi um século de vícios, sem ideais, sem horizontes, governado por velhos dissolutos, que esbanjaram riquezas e fortunas incríveis que vinham do Brasil e da Índia, bajulados por uma roda de fidalgos parasitas, enquanto o povo rural vivia na mais extrema miséria. Os jesuítas achavam que era deste modo que se alcançava o céu. Quanto mais de rastos, melhor as hipóteses de alcançar um lugar ao lado de Deus. O terramoto de 1755 foi, segundo eles, o aviso do céu e a verdade é que D. João V acreditou nisso. Honra seja feita a Sebastião de Carvalho que nunca aceitou esse “castigo” como diziam os Jesuítas. A raiva que Sebastião tinha pelos jesuítas, está em linha com a revolta de Pascal quando sentenciou: “Os jesuítas quiseram unir Deus ao mundo, e não ganharam senão o desprezo de Deus e do mundo.” 



         - “Olhamos à nossa volta para as multidões de turistas e lisboetas. Há um excesso de cagadores. Como é que o Chiado e a Baixa não hão-de cheirar a merda? Antes de construir novos aeroportos, para receber mais milhões de cagadores, construam esgotos e ETAR para Lisboa não cheirar mal. Por muito bonita que seja, o cheiro a merda atira-a para a mais suja e miserável condição.” (Miguel Esteves Cardoso no Público de hoje.) Para o caso, a prosa também pode cheirar mal por excesso de “merda” dos turistas e do anafado articulista... (Sem maldade!)