terça-feira, outubro 22, 2019

Terça, 22.

Mais aligeirado do peso do filme de Todd Plillips, vou tentar explicá-lo para mim. Começando pelo realizador, devo dizer que não conhecia, nem conheço, nada dele. Sei que é americano, mas não deve frequentar as capelas sobrepujadas dos delírios de ganância de toda a sorte de Holywood. Porque o espectáculo que ele nos propõe vai contra a corrente conformista do sistema onde o super-herói está acima do comum dos mortais e por acrescento do mundo. Pelo contrário, este argumento de Todd Phillips, conta-nos a história do palhaço Arthur Fleck, o Joker, como sendo um homem tão humano como qualquer um de nós, com aspirações a ser comediante. Enquanto a sorte não chega, trabalha na rua, em Gotham, para ganhar a vida. Acontece que Arthur sofre de uma doença mental rara, com ataques frequentes de riso quando a hilaridade é mais inoportuna. Com esta vida, a sociedade considera-o um parasita e como tal um marginal que não merece atenção. Daí o ser fraco, só, abandonado, marginalizado à luz da sociedade activa onde o trabalho absorve milhões de pessoas sem, contudo, auferirem o suficiente para viver com dignidade. Joker, dia-a-dia, sofre toda a humilhação, um outro passante pára para assistir à magia da sua arte de palhaço, a cidade inteira, onde uma brecha profunda divide pobres dos ricos, onde corre a céu aberto os dejectos da pobreza e dos filhos ilegítimos da sorte. Quando à noite Arthur regressa a casa, oferece-nos outra personalidade – o carinho enternecedor pela mãe acamada. Até que um dia, um famoso programa de televisão, Murray Franklin, encarnado por Robert de Niro, que fica a léguas de distância de Phoenix, convida-o a ser a estrela da emissão. Aí a verdadeira personalidade e loucura e delírio de Arthur estoira por assim dizer e tudo fica sintetizado ali, naquele live show que é o verdadeiro testemunho do ser que se sente ostracizado, sem lugar numa sociedade democrática, onde só conta quem for rico. A explosão de demência é medonha, assustadora, como  arrepiante é o final quando todos os palhaços ou tidos como tais pela sociedade entrincheirada nos valores desumanos do poder e da arrogância, com centenas de cómicos nas ruas a enfrentar numa desordem de ódio, anarquia e ajuste de contas e afirmação do indivíduo enquanto habitante e reinante de uma democracia autêntica. Tudo isto servido por uma realização e direcção de actores notável, um sentido dos extremos, uma festa da vida sobre a morte lenta a que os proscritos estão condenados nas sociedades dirigidas por fantoches e doidos varridos como Trump, Jinpinp ping ping, Kim Jong-il, Bolsonaro e passo. Um olhar mais próximo, dá-nos a ver a luta dos povos por todo o lado, sobrepondo-se à ordem espetada na opulência e comando de uns quantos ditos democratas, mas onde o indivíduo, como nos regimes comunistas, não tem o direito à sua individualidade e solitário deve forçosamente integrar o rebanho dos alienados que eles moldam e dirigem como uma manada de ovelhas obedientes. O filme de Phillips já conquistou o Leão d´Ouro no Festival de Cinema de Veneza. Esperemos que realizador e interprete principal, obtenha o Globo de Ouro de Hollywood. É o melhor filme que eu vi nestes últimos anos. Finalmente, quem tinha razão já em 1930, era Virginia Woolf: The future is dark.