Terça, 22.
Mais aligeirado do peso do filme de Todd
Plillips, vou tentar explicá-lo para mim. Começando pelo realizador, devo dizer
que não conhecia, nem conheço, nada dele. Sei que é americano, mas não deve frequentar
as capelas sobrepujadas dos delírios de ganância de toda a sorte de Holywood.
Porque o espectáculo que ele nos propõe vai contra a corrente conformista do
sistema onde o super-herói está acima do comum dos mortais e por acrescento do
mundo. Pelo contrário, este argumento de Todd Phillips, conta-nos a história do
palhaço Arthur Fleck, o Joker, como sendo um homem tão humano como qualquer um
de nós, com aspirações a ser comediante. Enquanto a sorte não chega, trabalha
na rua, em Gotham, para ganhar a vida. Acontece que Arthur sofre de uma doença
mental rara, com ataques frequentes de riso quando a hilaridade é mais
inoportuna. Com esta vida, a sociedade considera-o um parasita e como tal um
marginal que não merece atenção. Daí o ser fraco, só, abandonado, marginalizado
à luz da sociedade activa onde o trabalho absorve milhões de pessoas sem,
contudo, auferirem o suficiente para viver com dignidade. Joker, dia-a-dia,
sofre toda a humilhação, um outro passante pára para assistir à magia da sua
arte de palhaço, a cidade inteira, onde uma brecha profunda divide pobres dos
ricos, onde corre a céu aberto os dejectos da pobreza e dos filhos ilegítimos
da sorte. Quando à noite Arthur regressa a casa, oferece-nos outra personalidade
– o carinho enternecedor pela mãe acamada. Até que um dia, um famoso programa
de televisão, Murray Franklin,
encarnado por Robert de Niro, que fica a léguas de distância de Phoenix,
convida-o a ser a estrela da emissão. Aí a verdadeira personalidade e loucura e
delírio de Arthur estoira por assim dizer e tudo fica sintetizado ali, naquele live show que é o verdadeiro testemunho
do ser que se sente ostracizado, sem lugar numa sociedade democrática, onde só
conta quem for rico. A explosão de demência é medonha, assustadora, como arrepiante é o final quando todos os palhaços
ou tidos como tais pela sociedade entrincheirada nos valores desumanos do poder
e da arrogância, com centenas de cómicos nas ruas a enfrentar numa desordem de
ódio, anarquia e ajuste de contas e afirmação do indivíduo enquanto habitante e
reinante de uma democracia autêntica. Tudo isto servido por uma realização e
direcção de actores notável, um sentido dos extremos, uma festa da vida sobre a
morte lenta a que os proscritos estão condenados nas sociedades dirigidas por
fantoches e doidos varridos como Trump, Jinpinp ping ping, Kim Jong-il, Bolsonaro
e passo. Um olhar mais próximo, dá-nos a ver a luta dos povos por todo o lado,
sobrepondo-se à ordem espetada na opulência e comando de uns quantos ditos democratas,
mas onde o indivíduo, como nos regimes comunistas, não tem o direito à sua
individualidade e solitário deve forçosamente integrar o rebanho dos alienados que
eles moldam e dirigem como uma manada de ovelhas obedientes. O filme de
Phillips já conquistou o Leão d´Ouro no Festival de Cinema de Veneza. Esperemos
que realizador e interprete principal, obtenha o Globo de Ouro de Hollywood. É
o melhor filme que eu vi nestes últimos anos. Finalmente, quem tinha razão já
em 1930, era Virginia Woolf: The future
is dark.