segunda-feira, março 28, 2022

Segunda, 28.

Quando voltei do Porto, pedi em Campanhã um lugar sem passageiro por perto. O funcionário riu-se e eu interpretei aquele sorriso matreiro como algo estranho. Soube do resultado quando o cobrador me indicou o último lugar do derradeiro vagão. Foi a minha vez de sorrir, pois a carruagem que arrancou da estação vazia, foi a pouco e pouco enchendo até, do ponto onde me encontrava, a ver como uma camarata ambulante onde os passageiros, espojados, dormiam. 

         - Vou tentando também eu entrar nos carris da vida. Ainda não respondi nem a metade dos amigos que quiseram manifestar-me apreço no momento triste por que passo. Os ritmos do dia-a-dia não foram inda restabelecidos; a escrita continua a ser uma miragem à parte as tentativas deste registo. Por outro lado, a somar à infelicidade pessoal, junta-se o mundo tal qual ele se nos desvenda com sua fúria de horrores, destruição e morte. Amigos mais chegados padecem dos males da idade, como se um harém de misericórdias não bastasse para acompanhar as suas dores e maleitas. A verdade é que não aceitamos a velhice, a nossa fragilidade, recusamos enfrentar o tempo dando-lhe a volta ou desafiando-o a entrar connosco numa outra etapa com seus rumores, visões, sentimentos, ritmos e cadências em sintonia com o corpo que se foi apoderando de nós ou nós dele. No fim, lá onde o ciciar se impõe, é na morte que pensamos sem capacidade para a aceitar. E no entanto, não se morre porque se é velho, mas porque nascemos para morrer. Se conseguirmos interiorizar esta verdade de uma pureza extrema, a vida, esta e a que vier, esta que nos coube e a que nos caberá, fará parte de um ciclo natural, lógico, preciso e determinado para fechar a nossa presença na terra e entrar numa outra forma de vida, sem tempo nem lugar, próximo do Criador que nos aguarda puros e inteiros, felizes por nos ter dado a conhecer esta terra, os filhos, os amigos, os sítios, o sol, o mar, as vozes, os rostos belos e únicos, os amores que nos couberam viver, os silêncios que nos lavaram a alma, as paisagens e a arte que nunca iremos esquecer, porque tudo nos foi dado e nos pertence por direito enquanto seres que por aqui passaram na expectativa da vida eterna. Vivamos, pois, o que somos, como somos, na certeza que a matéria está constantemente em transformação e pode haver beleza, energia, entusiasmo desde que aceitemos cada hora, cada dia, como se fosse o primeiro de uma outra vida, infinitamente mais importante e enriquecedora. O nosso sofrimento, por muito doloroso, não se compara com o Daquele que viu o seu Filho morrer crucificado na cruz – aperta-se-nos o coração só de imaginar. 

         - Porque o mundo deve ao criminoso Putin o fim doloroso de velhos e novos. Se nos lembrarmos o que foi o inferno na Síria, podemos antever o fim da Ucrânia. Um homem que não respeita a vida humana, não merece viver. Tem de ser julgado e condenado à pena máxima. Não pode escapar como escaparam Estaline e os seus carrascos imediatos sucessores. Por isso, tenho dificuldade em compreender Macron que, decerto por ambição pessoal e política, teima em manter diálogo com um monstro.