sexta-feira, março 18, 2022

Sexta, 18.

Aquilo já não é uma guerra, é um autêntico massacre. O desespero de Putin que julgava ter os ucranianos no papo, suporta com dificuldade a humilhação de ter que os enfrentar em várias frentes e por um tempo longo. A sua loucura vai levar à miséria o pobre povo russo que nunca viu a prosperidade, e está agora ainda mais reduzido à pobreza, ao silêncio e aos insultos soezes de Putin contra aquela parte lúcida que protesta contra a guerra. No meio de todo este sofrimento, as mulheres de Kiev, esta manhã, enfeitavam os jardins da praça principal de cidade com túlipas de cores correspondentes à insígnia do país. Um povo assim, que ama a música e a beleza, não pode ser deixado nas mãos de um tirano sanguinário. 

         - Entretanto, a pouco e pouco, vamos sabendo dos enormes privilégios daqueles que lambem tudo o que o anafado ditador tem para abocanhar. Só o Reino Unido, governado por um homem arguto e defensor da liberdade, confiscou um extraordinário património que vale cerca de 120 mil milhões de euros! São uns 370 nomes de onde se destacam 50 oligarcas a começar pelo primeiro-ministro da Federação Russa, Mikhail Mishustin, o ex-primeiro-ministro e actual presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitri Medvedev, o ministro da Defesa, Serguei Shoigu, o porta-voz do autocrata, Dmitri Peskov, o do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova, etc., etc.. Boris Johnson decretou sanções a um punhado de corruptos e opulentos capitalistas, que fizeram fortunas incríveis à sombra do invasor, congelando-lhes os bens e os activos financeiros, para além da proibição de viagens de e para o país. E lembrar-nos nós que a riqueza do povo é um ínfimo dígito do PIB: 1%.  

         - Faleceu outro dia Vicente Jorge Silva. Fomos vizinhos durante muitos anos, tomávamos café lado a lado, olhávamo-nos como quem se cumprimenta e conhece de ginjeira, mas nunca nos falámos. Ele sabia quem eu era, eu idem. A culpa deve-se a esta minha reserva que deixa passar o melhor que se cruza comigo. Descansa em paz, bravo homem, baluarte da liberdade das artes! Um dia destes por reler o teu livro (maravilhoso) Século Passado.

         - Não consigo deixar de transcrever o texto de António Guerreiro, um jornalista e pensador de primeira água, hoje no Público. Fala ele daquele que exibiu sempre um sorriso macaco, mas que a mim nunca de enganou, como bem se recordam os meus leitores de há muitos anos. “Complacência” é uma palavra que Durão Barroso nunca devia pronunciar para não nos lembrar a complacência de que beneficiou e continua a beneficiar. Tudo o que fez e disse desde que saiu a correr para presidir à Comissão Europeia só pode ser encarado com bonomia se usarmos uma boa dose de complacência. Ele encarna na perfeição o político sem qualidades (não se veja aqui uma menção ao Homem sem Qualidades de Musil, que era um conjunto de qualidades sem homem), a figura sombria que triunfa sem que alguma vez se perceba de onde vêm tão vastas aptidões. Será sempre lembrado como um detector de “armas de destruição maciça.” Refere-se o articulista, decerto, à guerra no Iraque de que o nosso pateta corrupto beneficiou quando foi chamado para o cargo máximo na UE. 

         - Na missa do Sétimo Dia, terça-feira, na igreja da Foz, dita Stella Maris, fui surpreendido pela quantidade de amigas e amigos que a minha irmã tinha sem que eu alguma vez tivesse vislumbrado. Gente de fé sincera, de amizade quente e afectuosa, que assistiu à missa com a compenetração que eu não me lembro de ver por aqui alguma vez. A dada altura o sacerdote, um homem de fé e não como os padres daqui que são técnicos religiosos, sempre ufa ufa para terminar o oficio litúrgico, falou da Maria Luísa e fê-lo com a voz embargada de emoção que me tocou profundamente. Mais: os cerca de 100 participantes (a minha sobrinha diz-me que deviam ser uns 80), a maioria comungou à sete da tarde. Ainda hoje retenho a voz do celebrante, ungida daqueles que verdadeiramente creem, voz quente e doce, que nos abraça a memória e o coração. À saída muitos foram os que me vieram saudar, com esta exclamação: “Tás na mesma! Tu não envelheces!” 

         - Também não quero deixar de agradecer às dezenas de amigas e amigos, leitores destes nacos mal-alinhavamos de prosa, que literalmente me entupiram o telefone de casa e o portátil para não falar nos e-mails. Alguns escritos deixaram-me em lágrimas, o coração apertado de comoção. Não sabia que tinha tanta gente ligada a mim, eu que sou solitário e estou habituado a contar apenas comigo. Alguns tentaram falar-me oito, dez vezes!