Terça,
4.
Continuo
Green. São muitas as anotações que gostaria de deixar neste Dário, mas isso
ocupar-me-ia muito tempo e nesta altura atulho de trabalho e preocupações. O
grande homem não pára de me surpreender. À medida que me aproximo das 1400
páginas finais, dou-me conta que percebo a ideia do autor ao consentir na
publicação total do Journal 50 anos
após o seu desaparecimento. O testemunho que deixa para trás, é a imagem
pungente da sua fragilidade, da concepção do pecado que nos martiriza desde a
Idade Média ou com S. Paulo e que Green nos 21 anos de calvário que foram os
seus, derrama sem pudores pequeno-burgueses na escrita impressionante de um
grande escritor. E não só. A época entre as duas grandes guerras, a vida
intelectual em França, os hábitos de vida, as invejas, as questiúnculas entre
pares, as angústias da subida ao poder de Hitler e dos nazis, todo esse
lanceiro de acontecimentos atirados sobre a consciência do pacato cidadão assustado
e descrente da Europa civilizada, tem neste livro uma análise importantíssima.
Por outro lado, assistimos (ou me engano muito, espero que não) à subida do
autor ao Gólgota esperando a bênção do Espírito sobre o quotidiano, a sagesse depois de muito penar e sofrer. Talvez
os dois próximos volumes me dêem razão.
- Entretanto, para se perceber o
inferno da sua existência, a loucura dos seus dias, quando já célebre vivia dos
direitos autorais, a escrita e a vida a fervilhar nos espaços apertados dos
sentimentos, desesperos e carências físicas a doerem no corpo a cachoar de desejos,
deixo aqui três fragmentos da linguagem e da sua força na concretização sexual
e na solidão que a cada passo abraça de vazio o corpo sempre insatisfeito... (Evidentemente,
desobrigo-me de traduzir a linguagem erótica que deve surpreender os leitores
do autor dos 18 volumes do Diário publicados em vida.)
Jeudi 27 février: Beaucoup de pensées
charnelles ces jours-ci. J´ai révé longuement au petit Herbert Baron; ma queue
plongeait sans fin dans son joli cul doux et frais. C´était un garçon docile
que Fedia, et j´aurais dû faire de lui ma maîtresse, et le garder. Il n´avait
pas la beauté d´Adolf Pinamonti, ni de Johann Siegel, mais sa chair m´enivrait
de plaisir. (pág. 1013).
Mercredi 22 janvier: Une photo d´Edouard
VIII à douze ans m´a beaucoup excité aujourd´hui. Ce visage frais et vicieux
fait penser à une autre partie de son corps que devait être d´une exquise
beauté: le cul qu´on aurait voulu lécher et sucer pendant une nuit entière. (pág.
1008).
- Mercredi
30 october: Lundi, à midi, Robert me téléphone de venir chez lui sans retard.
J´arrive et trouve un charmant jeune belge aux cheveux noirs bouclés, aux yeux
rieurs d´un marron un peut mordoré, au corps vigoureux et bien pris. Il a une
queue enorme que nos suçons avec joie. Quoique petit, il peut passer pour beau
et nous suce l´un et l´autre le plus adroitement du monde- (pág. 983).
- Na piscina, esta manhã, quando
entrei nos balneários, deparei com um homem gigante completamente nu. Fui fazer
meia hora de natação e quando regressei para tomar duche e vestir-me, encontro
o mesmo sujeito medonho, peludão, de grandes pés, pernas gordas, coxas
surpreendentes, um rabo largo, costas vigorosas, cara feia, tudo de cima a
baixo medonho, frente e traseira. Parecia ter deixado o duche naquele momento,
e estava ao espelho, nu, a pentear o cabelo que lhe dava pelos ombros. Tomei o
meu banho, vesti-me e quando deixei a piscina, ele continuava ao espelho
exibindo um traseiro peludo feito de bolachas de adiposidade sobrepostas. Green
que não gostava nada de peludos e fugia deles como o diabo da cruz, não pegava naquele
monstro com idade das cavernas.
- O dia vai-se tragado pela imagem
triste e envergonhada de si próprio. Um nevoeiro denso e baixo, engoliu a
paisagem e a rua enxergava-se a três metros do nariz. O sol apareceu quando
ninguém o esperava e já não fazia falta pelas quatro da tarde. Vou fechar as
portadas, o crepúsculo invade o salão e o escritório onde escrevo de calorífero
a gás aceso. Estas migalhas ocupam uma boa parte do meu dia. Vou ter que afrouxar.
Dois homens eram para vir podar as árvores – não apareceram, mas tiveram a boa educação
de avisar.