quarta-feira, fevereiro 26, 2020

Quarta, 26.
O Covid 19 traz já muitos países em estado de alerta, com milhares de casos de infecção e pelo menos 2700 mortes. Propagado pela China onde o primeiro médico entretanto falecido deu o alerta, e onde pessoas desapareceram por denunciarem através de telemóvel o início da epidemia, é hoje uma manta de martírio e medo para todo o mundo. Mas o ditador que tudo controlou, continua no poder. O desarranjo do avanço viral, leva já alguns países a fechar fronteiras, a pôr de quarentena cidades e vilas, à desaceleração da economia, ao stresse global das populações. Portugal, decerto, não fechará o aeroporto enquanto não atingir as 30 mil camas! Eu que estou de partida, não escondo a apreensão de ir para um país que continua de portas abertas a todo o mundo. Não ignoro os milhares de chineses que estudam nas universidades húngaras, como não sou surdo aos amigos que me aconselham a não partir, mas espero regressar são e salvo. Ontem a TSF difundia: temos, enfim, um caso com coronavírus! A notícia parecia anunciar a chegada a Portugal do Pai Natal. Por sobre tudo, a realidade impõe-se: em qualquer lugar estamos à mercê da morte.

         - Evidentemente, esta situação é maravilhosa para os mass media. É ver a satisfação como televisões e rádios divulgam a informação. Se parassem para pensar, veriam que as percentagens são ridículas face ao número de cidadãos, por exemplo, da China neste momento de 1.409.649.785 habitantes. Mas sem estas tragédias, os órgãos de informação, obrigados por anunciantes e pela sobrevivência das suas máquinas infernais e pelos detritos televisivos que dão aos seus espectadores tratando-os como mentecaptos, não contariam para nada. O negócio, o volume de facturação é muitíssimo mais importante que uma vida humana por mais iluminada que seja. A informação é espectáculo e no espectáculo não pode faltar o drama e a tragédia – e neste, se possível, ainda o coitadinho.

         - Ontem estive na Brasileira com os habitués. Depois almocei no Chiado com um amigo de longa data e despachei-me para casa onde o trabalho fascinante de restituir ordem na biblioteca de cima me deixa em estado de êxtase. Vou ter que deslocar milhares de livros, tendo dado à nova estante a primazia dos testemunhos: diários, memórias, confissões, visões sociais e politicas dos escritores e sociólogos que fui lendo. Este estado é tão empolgante, que saio da cama ainda faz escuro para tocar em cada volume como se tateasse a carne viva do seu autor. Ainda, em sequência, é toda a ordem artística do espaço que vai sofrer alterações. Os quadros e mobiliário vai ocupar outros lugares de forma a que o conjunto resulte numa verdadeira obra de arte.

         - Esta frase sublime de Lídia Jorge na entrevista que deu ao Público: “No livro está o pensamento demorado” (por oposição ao digital). Ela é o que resta da grande literatura universal. É dos poucos escritores portugueses que leio sempre com imenso agrado. Cada livro seu fala e diz o que o mundo não gosta de ouvir.


         - Trabalhei no romance. Duas horas a penar praticamente inúteis. Interrompi esgotado e fui fazer meia hora de natação. De seguida almocei, depois duas horas de leituras e a meio da tarde comecei a dar nas figueiras e pessegueiros a bordalesa. Frio. Tarde comme ci, comme ça.