Quarta,
26.
O
Covid 19 traz já muitos países em estado de alerta, com milhares de casos de
infecção e pelo menos 2700 mortes. Propagado pela China onde o primeiro médico
entretanto falecido deu o alerta, e onde pessoas desapareceram por denunciarem
através de telemóvel o início da epidemia, é hoje uma manta de martírio e medo
para todo o mundo. Mas o ditador que tudo controlou, continua no poder. O
desarranjo do avanço viral, leva já alguns países a fechar fronteiras, a pôr de
quarentena cidades e vilas, à desaceleração da economia, ao stresse global das
populações. Portugal, decerto, não fechará o aeroporto enquanto não atingir as
30 mil camas! Eu que estou de partida, não escondo a apreensão de ir para um
país que continua de portas abertas a todo o mundo. Não ignoro os milhares de
chineses que estudam nas universidades húngaras, como não sou surdo aos amigos
que me aconselham a não partir, mas espero regressar são e salvo. Ontem a TSF difundia:
temos, enfim, um caso com coronavírus! A notícia parecia anunciar a chegada a Portugal
do Pai Natal. Por sobre tudo, a realidade impõe-se: em qualquer lugar estamos à
mercê da morte.
- Evidentemente, esta situação é
maravilhosa para os mass media. É ver a satisfação como televisões e rádios divulgam
a informação. Se parassem para pensar, veriam que as percentagens são ridículas
face ao número de cidadãos, por exemplo, da China neste momento de
1.409.649.785 habitantes. Mas sem estas tragédias, os órgãos de informação,
obrigados por anunciantes e pela sobrevivência das suas máquinas infernais e
pelos detritos televisivos que dão aos seus espectadores tratando-os como
mentecaptos, não contariam para nada. O negócio, o volume de facturação é
muitíssimo mais importante que uma vida humana por mais iluminada que seja. A
informação é espectáculo e no espectáculo não pode faltar o drama e a tragédia
– e neste, se possível, ainda o coitadinho.
- Ontem estive na Brasileira com os
habitués. Depois almocei no Chiado com um amigo de longa data e despachei-me
para casa onde o trabalho fascinante de restituir ordem na biblioteca de cima
me deixa em estado de êxtase. Vou ter que deslocar milhares de livros, tendo
dado à nova estante a primazia dos testemunhos: diários, memórias, confissões,
visões sociais e politicas dos escritores e sociólogos que fui lendo. Este
estado é tão empolgante, que saio da cama ainda faz escuro para tocar em cada
volume como se tateasse a carne viva do seu autor. Ainda, em sequência, é toda
a ordem artística do espaço que vai sofrer alterações. Os quadros e mobiliário
vai ocupar outros lugares de forma a que o conjunto resulte numa verdadeira
obra de arte.
- Esta frase sublime de Lídia Jorge na
entrevista que deu ao Público: “No livro está o pensamento demorado” (por
oposição ao digital). Ela é o que resta da grande literatura universal. É dos
poucos escritores portugueses que leio sempre com imenso agrado. Cada livro seu
fala e diz o que o mundo não gosta de ouvir.
- Trabalhei no romance. Duas horas a
penar praticamente inúteis. Interrompi esgotado e fui fazer meia hora de
natação. De seguida almocei, depois duas horas de leituras e a meio da tarde
comecei a dar nas figueiras e pessegueiros a bordalesa. Frio. Tarde comme ci, comme ça.