segunda-feira, fevereiro 14, 2022

Segunda, 14.

Na hora presente o mundo está suspenso do ataque da Rússia à Ucrânia e desse modo no envolvimento dos EUA e de alguns países da União Europeia no conflito. Contudo, no Portugal primário e selvagem e da respectiva imprensa em concomitância, os telejornais abrem com o espectáculo degradante dos energúmenos do futebol a distribuir murros e ofensas verbais, num ping-pong grosseiro entre adeptos e equipas do Futebol Clube do Porto e do Sporting Clube de Lisboa. Ainda os “democratas” apregoam que o país mudou muito!  

         - No Portugal dos pequeninos, sobrou da semana passada um episódio em que eu não acredito minimamente: a descoberta do “criminoso” de 18 anos, que se preparava para praticar um acto “terrorista” na universidade onde estuda - Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. O feito que não chegou a ser graças à pronta intervenção da Polícia Judiciária, bem entendido, que se antecipou por informações fornecidas pelo FBI, sempre atento ao que se passa na dark web (a plataforma do crime organizado). Acontece que o pobre rapaz, como milhares de outros jovens e, talvez como este que aqui escreve, utiliza a Internet (decerto sob um nick), para lançar bacoradas próprias da idade, da frustração, do desalinhamento numa sociedade horrível onde não há lugar para os frágeis, os sensíveis, os que precisam de tempo para pensar e fazerem-se alguém. Dizem os seus colegas de faculdade que o rapaz, vindo duma povoação perto da Batalha há meia dúzia de meses, embora reservado, era um tipo porreiro sem a mínima marca de criminoso. Eu imagino a dor dos familiares, mais a mais residentes numa pacata vila, assim como a do arguido exposto com a crueldade própria da raça portuguesa nos jornais e televisões, como se fosse o perigoso Al Capone dos tempos modernos. Dizia Ana Sá Lopes no Público de Domingo, que este caso, levado com “brilho” (as aspas são minhas) pela PJ, “tem obviamente que ver com a gritante desigualdade da Justiça entre ricos e pobres”. E tem toda a razão, é bem observado. Mas é também a maneira que a PJ tem para salvar a face dos muitos fracassos, entre eles o do burlão banqueiro detido na África do Sul. A Polícia actua como se no país não houvessem crimes de colarinho, de corrupção, de juízes que traficam sentenças, de lavagem de dinheiro, de advogados e políticos protegidos por leis que eles próprios urdiram, etc. etc.. A verdade é esta: se a Polícia Judiciária não tem criminosos nem crimes em que se ocupar, acabe-se com a organização! Os contribuintes agradecem. 

         Quando é que neste país aparece uma equipa governamental séria, capaz de reformar com justiça, imparcialidade, indiferente aos lóbis e à escumalha que está por todo o lado? Será que irei morrer com o desgosto de haver vivido numa terra manchada da injustiça dos inocentes?  

         - Sexta-feira fui com a Carmo Pólvora ao Museu Vieira da Silva atraído pela pintora recentemente falecida, Lourdes Castro. Até porque o acervo do museu não mudou nem foi acrescentado de novas obras (se a minha memória não me atraiçoa). Apesar de ser gratuito, por lá andámos nós mais um casal jovem e outro de idade avançada. (Bem sei, bem sei, não se trata do museu Ronaldo e quejandos.) E artistas só a minha amiga que é na realidade uma grande pintora. Porque a maioria dos que se dizem artistas, a arte não é uma necessidade interior, intrínseca, um murmúrio profundo, secreto, sagrado – é um simples e por vezes útil cartão de visita. Bref. O museu é simpático e acolhe artistas portugueses de diversas tendências artísticas, com especial domínio do casal Vieira da Silva e Arpad Szenes. Eu, dos dois, prefiro Arpad que sempre me pareceu mais criativo, mais “louco”, com um traço ligeiro que retrata a juventude que o habitou até à morte e a modernidade que nunca deixou as suas telas. Algures, nestas páginas, registei tudo o que Manuel Cargaleiro me contou do casal e, sobretudo, dele. Dispenso-me – até pela natureza do que ouvi – a trazer agora para aqui esses “segredos”. 

         - Recordando Cargaleiro, ontem lembrei-me dele porque peguei numa garrafa decorada com a sua pintura e que ele me ofereceu, e olhei longamente a cozinha onde o artista quando por aqui vem gosta de estar em  longas tardes de conversa fiada. Digo-lhe: “Manel, vamo-nos sentar no salão, estamos melhor.” E ele, abrindo os braços: “Gosto mais deste brique-a-braque. 

         - Ao museu voltarei outro dia. Por agora, estando ainda sob o efeito do fim do dia que me trouxe de regresso a casa, depois de ter estado algum tempo com a Carmo numa esplanada do Rato, quando a noite silenciosa começou a vislumbrar-se por entre os prédios altos da cidade, o horizonte para lá da Basílica da Estrela desenhado de lilás, as carruagens atulhadas de viajantes, a covid miragem arremessada para trás das costas, uma certa alegria abanada nos corações dos transeuntes, foi à sacristia deste presbitério que me penitenciei por ter ousado olhar quem, numa miríade de graciosidade e beleza, me convidou para uma dança desempoeirada que eu desgraçadamente não fui capaz de acertar o passo.