terça-feira, fevereiro 01, 2022

Terça, 1 de Fevereiro. 

Vou gastar um pouco do meu precioso tempo (hoje, não tendo que comer, passei uma parte da manhã no Auchan de Setúbal a abastecer-me do necessário) a resumir as impressões que tenho das eleições de domingo. Não devia. Porque bastaria ler o artigo do Público, da autoria do nosso homem de serviço, João Miguel Tavares, para se ficar, em apenas uma página, com a síntese do que foi a vitória de António Costa e seus acólitos, Rui Rio, toda a esquerda e a Iniciativa com o rabinho liberal de fora, até ao pároco de aldeia que anda a pregar um pouco mais alto, de modo a convencer-nos que não é só fantasia e discurso intelectual para historiador ler. O homem, intelectualmente, é tão fanático como André Ventura. 
         
Sem tirar mérito a António Costa, alvitro que o país daqui a quatro anos estará exactamente como está hoje, mas com mais problemas de pobreza, de justiça, de saúde, de ensino e por aí fora. Nunca gostei de maiorias, pelo simples facto que, em maioria, o mandão refina, cresce de soberba, exibe arrogância, governa como muito bem entende e, como já se viu, enche os bolsos e dá a encher aos seus compinchas. (Lembro que na procissão dos suspeitos do MP, está orgulhosamente em primeiro lugar o pessoal socialista.) Com Costa, aquele que disse que o aeroporto teria de ser ali ou então altera-se a lei, vai conseguir impor a sua ordem irritantemente individual. Dizem os entendidos, que Costa ganhou por causa da magia de empurrar os medricas dos portugueses para o centro e deixar isolada a direita e a esquerda. São tácticas que penso não chegam aos cérebros distraídos dos nossos concidadãos, pelo simples facto que essa opção implica cultura política e personalidade, ousadia e cálculo. O português é por natureza conservador, pouco instruído, com gosto pelo comando, o senhor doutor, a força, a voz grossa, a gravata que distingue, o poder centrado num só homem. Por outro lado, no caso presente, preferiu mais do mesmo: não quer correr riscos, prefere a vidinha simples, futebol e telenovela, o sol que o aquece, a Senhora de Fátima que o protege, o vinho tinto e a febra (aqui há alguma mudança, antes era a sardinha, mas está cara) assada. Está igual ao padrão que Salazar construiu, não mudou uma palha. A democracia, no seu verdadeiro e profundo sentido vivencial, não lhe toca porque é manso, cordato, não gosta de quem faz ondas, ignora o “intelectual” que está sempre do contra, é capaz de matar a mulher com quem vive, mas abomina o ímpeto dos conceitos, das acções políticas, da contra-argumentação, do contrário, daquele que pensa e expõe com denodo as suas ideias. Tudo isso dá muito trabalho e ele é por natureza um funcionário, alguém que pratica as ordens sem pestanejar, e assim sendo tanto jeito dá ao governante como ao chefe de repartição; ganha pouco, mas esse pouco é suficiente para a insignificância de vida que leva; é invejoso, avaro e sente-se infeliz porque o vizinho do lado usufrui de mais cinco euros que ele. Vive das aparências, é rei e senhor montado no popó último modelo, ainda que de cada vez que pára numa bomba não pode meter mais que dez euros de combustível. É para este português que António Costa, sem qualquer esforço, vai governar. 

Contudo, há nestas eleições qualquer coisa de sublime que não se deve, claro, ao voto esclarecido do português – deve-se ao sistema eleitoral que ninguém está interessado em mudar. A esquerda e a direita (ainda que esta tenha auferido mais vantagem) são o mesmo reverso da moeda: vivem em mundos opostos a cobiçar o centro, esse centro que deu a vitória aos socialistas. Pessoalmente, como já disse, apreciei o pontapé nos rabos das meninas do BE, farto do seu assanhamento, da palavra doutoral do alto dos púlpitos ditos democráticos, o seu ódio à direita, a sua ambição de poder, o desprezo de quem não é por nós é fascista e assim. O conjunto que eu nunca levei a sério, assemelha-se a um jardim escola de meninas e meninos vaidosos e convencidos que acham que são os melhores da turma. Portanto, rua com eles e de vez. 
         
Fica o PCP o partido mais sério e honesto do espectro partidário. Não comungo de maneira nenhuma dos seus princípios, mas faço jus à sua conduta, ao seu pragmatismo, ao seu ideal de sociedade onde não gostaria de viver. Fazem aquilo a que todos chamam política, mas fazem-na com rigor, seriedade, convicção e da soma dos partidos são os únicos que confessam e praticam uma filosofia, têm ideias e ideais, e por eles se batem. Do meu ponto de vista, está a precisar de uma grande reforma, embora eu seja sensível àqueles velhos comunistas que, apesar da idade, batem-se garbosamente pelos ensinamentos que a clandestinidade lhes forneceu. Ver um homem como João Oliveira e, sobretudo, João Ferreira preteridos, dá que pensar. Aquela geração devia estar já à frente do PCP injectando ideias e conceitos novos, formas de exercer a política, capazes de ultrapassar o terror que impregna a bíblia sacrossanta e já não tem lugar no mundo de hoje e onde ainda impera (Rússia, China, Coreia do Norte e países africanos e latino-americanos) semeia o terror, reduz o ser humano a um boneco articulado, dominado por um só homem que diz exercer o poder em nome da ditadura do proletariado, com multidões controladas, admoestadas, reduzidas a uma vida humilde, calada, morta. O que me parece falta ao PCP é gostar de viver em democracia, aceitar os outros nas suas diferenças, nas suas ideologias, sem acrescentar alcunhas, ódio, distância. Mais a mais, quando em toda a Europa democrática, só conheço o PCP que ainda se senta nas cadeiras do parlamento. A pobreza endémica que subsiste depois de 50 anos de democracia, dá imenso jeito aos políticos ambiciosos que se apoderam do poder para satisfazer toda a sorte de maniqueísmos e falsas promessas. Estou tão cansado desta fórmula: direita, esquerda, volver. 

Todavia, por cima tudo o que os políticos festejaram ou disseram, não encontrei uma palavra de preocupação sobre a abstenção. Esta rondou os 42% em linha com o que se passava antes da pandemia. Quer dizer, quase metade dos portugueses está em silêncio, ou distanciados ou decepcionados ou descrentes ou insatisfeitos com o regime que nasceu com o 25 de Abril de 1974, mas isso aos políticos diz nada. Só lhes interessa o poder, mesmo que um dia apenas 10 por cento vá votar. Na ambição que os enlouce, estão-se nas tintas para os que como dizem faltaram “ao dever cívico de votar”. E, deixei-me que lhes diga, fizeram bem. Foi até um acto de patriótico, porque não querem ser tomados por idiotas. Vota-se – ou devia-se – votar num programa, mas esse programa nunca é cumprido e não há sistema que permita a dada altura do mandato, chamar os eleitores a referendar o que foi prometido e não foi cumprido.