segunda-feira, janeiro 31, 2022

Segunda, 31.

Ontem estive tão absorvido com o espectáculo de música clássica (Franz Schubert) no ARTE, que não me deu para ver a “festa da democracia”. Mas li hoje jornais, falei ao telefone com amigos, vi excertos dos noticiários e na Internet espreitei este e aquele matutino. Toda a gente bota discurso, dá opinião, desfaz cálculos estatísticos, defende as suas cores partidárias, cáustica uns e defende outros, que até eu que estive a leste do carnaval me permito dar opinião. Posso? Hoje, não. Fica para depois. Contudo, deixem-me desabafar: estou ufano com a saída pelos fundos da História das meninas tagarelas do BE e do alívio imposto pela abrangência hegemónica da esquerda. Estava tão farto dessa gente! (Para mim o PS não é de esquerda é, quando muito, social democrata.) 

         - Porque a minha preocupação maior vai para o que se passa às portas da Europa com os 100 mil soldados russos em manobras provocatórias na fronteira com a Ucrânia. Aquilo é francamente trágico e põe em risco tratados acordados entre o Oriente e o Ocidente, Estados Unidos e a Europa. Quem acerta na mouche, é Teresa de Sousa ao declarar que “Putin não teme a Ucrânia nem sequer as forças da NATO instaladas nos países europeus da aliança, cuja presença é apenas defensiva e dissuasora. Teme, acima de tudo, ver a Rússia rodeada de democracias por todos os lados”. Gregory Mitrovich compara o erro em que está a cair Putin, com o cálculo de Estaline nos anos Cinquenta relativamente à Coreia. Não é descabido. Só que na Europa desde a II Grande Guerra os soldados americanos ficaram por cá. 

         - Hoje avancei duas páginas no romance - um feito raro em mim. Depois do almoço, estando lá fora a fazer as minhas quotidianas duas horas de leitura ao sol (cheguei à página 400 do diário de Green), apareceu a Piedade para terminar o que não pôde findar quinta-feira passada. Mal me viu, disparou: “Nunca cá venho que não esteja a ler ou a escrever. Não sei como a sua cabeça aguenta.” Posto isto, suspendi a leitura e fui vê-la passar a ferro na cozinha. É todo um mundo que de súbito desagua ali, um mundo de paz, de conversa amena, de laços misteriosos que se enrolam na espessura da tarde e desenrolam ao correr da conversa. Há uma família inteira que ali se instala, um quadro familiar doce, uno, perpassado do calor das vozes, dos silêncios que obrigam a cruzar os braços em expectativa, como se tudo o que ali se diz brindasse às horas o rumor do passado, numa simbiose perfeita que perdura através dos anos. É uma badalada, um cântico romântico, um sopro de nostalgia tangendo na memória que tudo aloja e transforma em vivência e desta em recordação e de recordação em vida pura.