sábado, janeiro 08, 2022

Sábado, 8.

Dei um trambolhão e peras. Ia a entrar na cozinha com uma braçada de lenha, e não sei como, caí atirando com a madeira para um lado e o corpo para cima dela. Fiquei a gemer no chão de tijoleira e a pedir a protecção divina porque a impressão que tive foi que havia partido o braço. Doía-me também o joelho da perna que transporta às alturas libidinosas os rapazes e os homens feitos. Logo me ocorreu o jeito que dei precisamente há um ano, quando tentava fazer entrar na lareira do salão o mastodonte de acácia, problema que só me largou completamente (já bati três vezes no tampo da mesa) em Novembro passado e espero tê-lo resolvido para sempre. Levantei-me quando pude e como pude. Corria sangue do braço, um largo rasgão empapado que a pele tentava reter. Tratei-o com mercúrio-cromo, pus uma compressa e fui sentar-me à secretária a trabalhar. Eis se não quando, o bloco onde assentava o cotovelo, ficou com uma mancha avermelhada – era o cotovelo que estava ao mesmo nível do braço e a necessitar de idêntico tratamento.

         - Mas este acidente deu-me que pensar. Não quero ser como aquelas beatas que por tudo e por nada invocam o santo nome de Deus em vão. Todavia, à memória veio-me os dias difíceis que passei no hospital de Santamaria há onze anos, eu que nunca tinha estado num hospital e não fazia a mínima ideia o que era sofrer. Bref. Acontece que os dias que se seguiram à operação, foram tormentosos de todos os pontos de vista, sobretudo para alguém que não tinha sido até ali acossado por doenças. Lembro-me quando saí e o João Carolino teve a amabilidade de me proteger por uns 15 dias em sua casa (e o Couto me veio buscar para me levar para o apartamento do meu amigo e depois trazer-me de regresso aqui), perto do Arco do Cego, o Eugénio que nunca faltara às visitas, quis que almoçássemos um dia. Combalido, fui ao seu encontro. Durante o almoço, de súbito, sabendo o Eugénio muito crente, mais do que eu, rompendo num pranto que surpreendeu o meu amigo e todos quantos comiam ao nosso lado, disse-lhe, irado: “Deus nem me acudiu! E eu nunca pensei Nele.” Não vou estender-me em pormenores da relação que tenho com Deus. O que queria referir é que, à distância de 11 anos, ainda nem havia tocado o solo, já estava a pedir-Lhe protecção. E fui atendido. Não tenho ainda arcabouço para o sofrimento, embora saiba o suficiente através da cultura que ele tem várias latitudes e todas elas nos redimem. Não vou citar a este propósito de novo Marguerite Duras, mas não resisto a contar o que Green diz no 3º volume que folheei apenas, citando o padre Crété seu amigo, em grande sofrimento às portas da morte, quando lhe perguntaram se se aborrecia e ele respondeu: “Eu não me aborreço porque sofro.” Silêncio. 

         - Deixou-nos o nosso querido amigo Brito. Desde o aparecimento do SARS CoV2 que não saía de casa. Era um homem notável, foi um jornalista de talento, tinha uma memória prodigiosa, não ouvia, não via, tinha 96 anos, vivia só, e mesmo nestas condições tomava o autocarro, depois o metro, e aparecia na Brasileira para trocar dois dedos de conversa (e que conversa!) com os amigos. Descansa em paz, querido amigo. Muita falta nos vais fazer e as manhãs da Brasileira serão para sempre sombrias sem ti.