sexta-feira, fevereiro 04, 2022

Sexta, 4.

Nós só conhecemos a verdadeira dimensão das injustiças sociais, do abismo entre ricos e pobres, de como estes vivem no fosso da sociedade e aqueles na escandalosa exibição da vida dourada, quando um qualquer miserável, desses que são escravos do dinheiro e é nele que exibem a sua importância, é chamado à razão pela justiça independente e séria como a que pratica o juiz Carlos Alexandre. Refiro-me ao ministro, digo bem ministro, que ostentava os chifres no Parlamento, de seu nome Manuel Pinho, que com todas os falcatruas, cargos políticos e empresariais, corrupção e desvios ao fisco, granjeando epítetos do melhor técnico do mundo, aufere mensalmente a reprovável reforma de 26 mil euros! (Ao lado desta inteligência iluminada pela riqueza, os 10 mil de aposentação de Cavaco Silva são uma gorjeta.) Gostava de ver a cara dos 90 e tal por cento de portugueses que são obrigados a sobreviver em média com 400 euros! Mas isto, este escândalo, não apareceu nem aparece nunca em nenhum dos programas da direita: PSD, CDS, PS. Os portugueses, sobretudo os que trabalham de sol a sol, honradamente e com imensos sacrifícios, mereciam governantes e políticos mais humanos, competentes e sérios. Esta cambada que nos saiu na sorte do infeliz destino, devia ser toda fechada numa aldeia alentejana onde as árvores, os frutos, o chão que pisam, o céu que os cobre, as casas que os abrigam, fossem forradas a ouro tão brilhante que lhes cegasse a ganância e os reduzisse a excremento que nem a terra adubaria.   

         - Mas há mais. Outro dia, numa volta pela Baixa, deparei com uma daquelas sapatarias que existiam na minha adolescência e julgava já transformadas num restaurante para parolos, desses que proliferam por toda a cidade, com comida à moda deste e daquele país, gourmets incluídos. Entrei. Uma empregada, só, atendia um casal de velhotes. Quando chegou a minha vez, pedi para observar um par de botins que me pareceram os mesmos que tinha visto no Corte Inglês, mas por (rigorosamente) metade do preço. Adianto que os coxinhos, coitadinhos, não podem calçar qualquer sapato, daí pagarem sempre muito mais que os que caminham como soldados, quero dizer, monotonamente iguais e direitos. Confirmei que os mesmos eram fabricados no Norte e como a borracha era também igual aos da loja espanhola, sou informado tratar-se da mesma firma nortenha. Compro. Vou para pagar por contacto (o sistema nascido com a Covi-19 e evita marcar o código), surpresa!, a funcionária diz-me que não está activado. “Porquê? pergunto. Porque o banco cobra-nos mais uma taxa para além da que pagamos por usarmos a máquina.” Fiquei irado. Quis morrer ali mesmo, deixando este mundo sôfrego pelo deus dinheiro. Depois, no regresso, veio-me à ideia uma notícia segundo a qual os bancos cobram, por dia, entre taxas e comissões, 4 milhões de euros!!! Disto não se ouviu uma palavra de nenhum partido durante a campanha para as legislativas. Portugal vai continuar enfermo por mais 50 anos. Que este registo seja o murro no estômago de um tempo de enganos e logros, avaro e explorador. E vivemos nós em democracia, que seria se vivêssemos em ditadura? 

         - O sol sorriu-nos por lapsos de momentos e recuou. Dia pesado, de Jumbo, triste, frio. Tenho duas lareiras acesas, mas de cada vez que saio do salão para a cozinha, é como se atravessasse a Sibéria. Mesmo assim, seguindo as instruções da Piedade, podei as hortênsias que tenho em vários sítios. Trabalho terminado.