terça-feira, fevereiro 13, 2024

Terça, 13.

Não estamos sós. Cada vez mais radica em mim a certeza de que algo ou alguém nos orienta e nos protege. Eu costumo dizer que quem crê nunca está só. Não vou citar quantas vezes na minha vida esta certeza se cumpriu para não parecer uma daquelas beatas de missas e persignações e nenhuma atenção ao outro e total indiferença à caridade cristã como intimação principal da vivência da fé. Contudo, se me permitem, conto o que este susto de que tenho falado aqui, tem sido para mim um impulso de exultação. Não só porque passei a amar mais intensamente os dias, como me debrucei na atenção a tudo o que me rodeia ou levita no espaço e no tempo que me coube preencher no afogo do imprevisto. 

Comecemos pelos amigos. Eu julgo sempre, dada a minha natureza, digamos, secreta e solitária, que não os tenho. Porque, nas sociedades modernas, o solitário é um hilota que não integra nenhuma espécie de convívio onde quase sempre o vazio impera e a falsidade vibra. Há num punhado de gente a festejar a união da amizade, qualquer coisa de estranho, um fulgor de aridez, muitas vezes de patetice, por onde não perpassa nada de substancial porque, dizem, a vida é para ser vivida no folguedo da festa sem objectivo, a festa pela festa, na alegria e no convívio, sem pensamentos nem temas que possam conflituar com a reunião heterogénea que fora convocada. Eu sou dos que privilegio o diálogo face a face, sem hora, onde os temas são despejados entre mim e o outro e os segredos se soltam na liberdade de duas almas irmanadas nos mesmos interesses e objectivos. Tudo o que ali se diz é sagrado porque vem directo do coração, na confiança e identificação que as grandes amizades não dispensam e o tempo sepulta no sacrário que incorpora o momento e a recordação.  

Assim, devido ao sobressalto que tive, fui beneficiado com a chegada de um amigo íntimo de outrora que, pelo que percebi, é meu leitor sem que nunca se tivesse manifestado. Um outro, optando pela mesma técnica do Luís P. A., recorreu ao Facbook para me encontrar, e surge do nada num momento crítico para mim. Sem falar naqueles que todos os dias telefonam, especialmente o João Corregedor, a Alice, a Maria José, Fr. Hélcio... A todos o meu reconhecimento. 

Depois vêm as tais circunstâncias inexplicáveis, como aquela de haver telefonado para o consultório de um cardiologista célebre para marcar consulta e ter recebido a informação de só para Outubro haveria vaga! De seguida fico, vá-se lá saber porquê, à conversa com a secretária do ilustre clínico. A dada altura, de súbito, a chamada é interrompida. Volto a tentar e de imediato encetamos uma conversa sobre livros, autores. Eu digo-lhe que estou convencido que nada tenho no coração, que o que me aconteceu não passa do impulso que a escrita provoca em mim, ao ponto de me invadir o corpo inteiro. Ela pergunta-me o meu nome. Silêncio. Grande silêncio. Penso que desligou, não ela está do outro lado e diz-me que o meu nome não lhe é estranho. Surpresa da minha parte. E logo: “Esteja descansado que eu vou falar com o Dr. R. e depois volto a ligar-lhe.” Fê-lo à meia-tarde para me dizer que tenho consulta marcada para o início da próxima semana.