Terça, 6.
Levaram-me
as pernas - a que os homens costumam piscar o olho e a que as mademoiselles salivam de cobiça -, para
os lados de Batignolles. Como tenho um jantar em casa da Michel, quis
oferecer-lhe meia dúzia de pastéis de nata que a propaganda roída de pecadilhos
diz serem melhores que os de Belém ou os que a pastelaria de Campo d´Ourique
produz. Tendo saído na Place Clichy, julgando estar próximo da rue Boursault
onde a Pastelaria Belém diz ter um salon
de thé, fartei-me de calcorrear boulevards e ruas, para encontrar um
minúsculo espaço, com quatro mesas, ar de casa de banho pobre, um balcão de
vidro e uma mulher gorda atrás dele falando um francês do Minho. Comprei os doces,
perdão, os docinhos por um preço aristocrático. Não sei se a sua confecção
corresponde à publicidade ou à matéria-prima com arte e conhecimento ou se tudo
o que vi não passa de mais saloiice nacional com o diploma correspondente passado
ao domingo...
- Toda a zona lembra o 15 bairro. É lá
que vive o escritor e jornalista Jean Chalon, na rue Truffaut. Estando longe do
centro, nem por isso os preços são mais baixos. Ciranda por ali uma mistura de
gente pobre e remediada. Alguns jardins dispersam um perfume africano que se
evola no ar rarefeito às primeiras horas da manhã. A atmosfera é parisiense
embora com contornos mistos, sem contudo se verem homens de lancheira e boina
preta. A par de avenidas rasgadas, onde existem cafés e restaurantes caros,
bancos e alguma arquitectura copiada do Quartier Latin, é no interior de
Batignolles que se guarda a matriz dos tempos difíceis, as pequenas lojas, um
ou outro artesão, e os prédios baixos se inclinam para deixar passar num tom
vibrante a Internacional.
- Almocei num daqueles restaurantes em
frente à Sorbonne que o nosso ilustre gatuno diz ter frequentado. Ali a
animação é mais que muita. No centro da pequena praça, sentados no chão e nos
bancos, uma multidão de estudantes menos afortunados come sandes e pratos
pré-fabricados. Dentro dos restaurantes os professores e os alunos com maior
posses. Esta diferença não parece perturbar ninguém e a camaradagem está ao
rubro. Os livros são lidos entre duas dentadas, a discussão corre de espaço a
espaço, pelo chão empilham-se blusões e mochilas. Depois do almoço entrei numa
das livrarias especializada em filosofia. Lá dentro uma chusma de curiosos a
consultar livros. Desci a seguir o Boulevard Saint-Michel e entrei em chez
Gilbert. O que eu sofro para não ser tentado a adquirir tudo o que a minha
curiosidade me pede! Mesmo assim, voltei para casa com um volume interessante
de Virginia Woolf, Instants de vie,
prefaciado por Viviane Forrester.
- Tempo moche. Vou-me despachar para não chegar tarde ao jantar.