terça-feira, novembro 06, 2018

Terça, 6.
Levaram-me as pernas - a que os homens costumam piscar o olho e a que as mademoiselles salivam de cobiça -, para os lados de Batignolles. Como tenho um jantar em casa da Michel, quis oferecer-lhe meia dúzia de pastéis de nata que a propaganda roída de pecadilhos diz serem melhores que os de Belém ou os que a pastelaria de Campo d´Ourique produz. Tendo saído na Place Clichy, julgando estar próximo da rue Boursault onde a Pastelaria Belém diz ter um salon de thé, fartei-me de calcorrear boulevards e ruas, para encontrar um minúsculo espaço, com quatro mesas, ar de casa de banho pobre, um balcão de vidro e uma mulher gorda atrás dele falando um francês do Minho. Comprei os doces, perdão, os docinhos por um preço aristocrático. Não sei se a sua confecção corresponde à publicidade ou à matéria-prima com arte e conhecimento ou se tudo o que vi não passa de mais saloiice nacional com o diploma correspondente passado ao domingo...

         - Toda a zona lembra o 15 bairro. É lá que vive o escritor e jornalista Jean Chalon, na rue Truffaut. Estando longe do centro, nem por isso os preços são mais baixos. Ciranda por ali uma mistura de gente pobre e remediada. Alguns jardins dispersam um perfume africano que se evola no ar rarefeito às primeiras horas da manhã. A atmosfera é parisiense embora com contornos mistos, sem contudo se verem homens de lancheira e boina preta. A par de avenidas rasgadas, onde existem cafés e restaurantes caros, bancos e alguma arquitectura copiada do Quartier Latin, é no interior de Batignolles que se guarda a matriz dos tempos difíceis, as pequenas lojas, um ou outro artesão, e os prédios baixos se inclinam para deixar passar num tom vibrante a Internacional.

         - Almocei num daqueles restaurantes em frente à Sorbonne que o nosso ilustre gatuno diz ter frequentado. Ali a animação é mais que muita. No centro da pequena praça, sentados no chão e nos bancos, uma multidão de estudantes menos afortunados come sandes e pratos pré-fabricados. Dentro dos restaurantes os professores e os alunos com maior posses. Esta diferença não parece perturbar ninguém e a camaradagem está ao rubro. Os livros são lidos entre duas dentadas, a discussão corre de espaço a espaço, pelo chão empilham-se blusões e mochilas. Depois do almoço entrei numa das livrarias especializada em filosofia. Lá dentro uma chusma de curiosos a consultar livros. Desci a seguir o Boulevard Saint-Michel e entrei em chez Gilbert. O que eu sofro para não ser tentado a adquirir tudo o que a minha curiosidade me pede! Mesmo assim, voltei para casa com um volume interessante de Virginia Woolf, Instants de vie, prefaciado por Viviane Forrester.




          - Tempo moche. Vou-me despachar para não chegar tarde ao jantar.