Sábado,
3.
Não
reconheço a cidade pacata dos dias de inverno. Os franceses que são exímios em
feriados e férias, vieram de todos os lados para gozar o fim-de-semana duplo.
Ocupam as esplanadas - apesar da chuva que durante a viagem e ontem à noite caiu
intermitentemente -, os cafés, as lojas e as ruas, dando um ar de falso verão a
tudo isto. São intrusos que varrem do meu espírito aquela atmosfera calma e
repousante de outros anos, sem feriados nem animação rústica ou ociosidade de
lagartixa. É um facto que de manhã e à tarde reinou um sol claro e quente, a
temperatura atingiu os 22 graus, a praia atraiu muita gente para passeios à
beira-mar, crianças a jogar à bola no areal e nós almoçámos numa creperie diante do mar, uma saborosa gallete seguida de um crepe doce regado
com uma saborosa Cidra. Tudo depois de três horas de trabalho no meu café de
eleição, Place Hoche.
- Hoje não resisti ao incontornável
mercado de rua, Place Hoche, que persiste galhardamente aos supermercados e
lojas, todos os sábados do ano. Ali encontro sempre coisas biológicas de
extrema qualidade como queijos, foie-gras,
produtos regionais, charcutaria e assim. A multidão era mais que muita, a
peregrinação por tendas e espaços fazia-se a passo de caracol, portanto, muito cansativa.
Nada que um bom café não repusesse as energias, assim como um passeio ao longo
da marginal, sob um sol luminoso servido com uma ponta de frio revigorante.
- A casa dos meus amigos, tem vista
directa para o mar. Chama-se em bretão Ty Wuan (Casa Ivan, inícios do séc. XX).
Das janelas do primeiro andar onde costumo dormir vejo a praia, ouço a sirene
do embarcamento para Belle-Île, a ilha de Sarah Bernhardt, o vento e as
tempestades. Muitas noites vou-me pelo oceano do sono arrastado pela sensação de
conforto, companhia e fantasmagóricas imagens que misturam realidade e fantasia
no sossego de oito nove horas de sono. Quando o vento sopra mais forte e faz
abanar portas e janelas, sinto-me como se viajasse em alto-mar e todos os
Adamastores do mundo viessem segredar-me ao ouvido histórias por contar. Esta
casa, cujo interior como já aqui disse, me faz lembrar as histórias de Charles
Dickens, toda construída em madeira, range e murmura como um ser vivo abandonado
à idade e reforçado pelo vigor dos sonhos que carregam todas as esperanças. Sinto-me
aqui como se habitasse um mundo esquecido do tempo, ignorado das horas, coberto
do musgo que protege e faz crescer os fungos que nutrem cada compasso de vida.