sábado, novembro 03, 2018

Sábado, 3.
Não reconheço a cidade pacata dos dias de inverno. Os franceses que são exímios em feriados e férias, vieram de todos os lados para gozar o fim-de-semana duplo. Ocupam as esplanadas - apesar da chuva que durante a viagem e ontem à noite caiu intermitentemente -, os cafés, as lojas e as ruas, dando um ar de falso verão a tudo isto. São intrusos que varrem do meu espírito aquela atmosfera calma e repousante de outros anos, sem feriados nem animação rústica ou ociosidade de lagartixa. É um facto que de manhã e à tarde reinou um sol claro e quente, a temperatura atingiu os 22 graus, a praia atraiu muita gente para passeios à beira-mar, crianças a jogar à bola no areal e nós almoçámos numa creperie diante do mar, uma saborosa gallete seguida de um crepe doce regado com uma saborosa Cidra. Tudo depois de três horas de trabalho no meu café de eleição, Place Hoche.





         - Hoje não resisti ao incontornável mercado de rua, Place Hoche, que persiste galhardamente aos supermercados e lojas, todos os sábados do ano. Ali encontro sempre coisas biológicas de extrema qualidade como queijos, foie-gras, produtos regionais, charcutaria e assim. A multidão era mais que muita, a peregrinação por tendas e espaços fazia-se a passo de caracol, portanto, muito cansativa. Nada que um bom café não repusesse as energias, assim como um passeio ao longo da marginal, sob um sol luminoso servido com uma ponta de frio revigorante.


         - A casa dos meus amigos, tem vista directa para o mar. Chama-se em bretão Ty Wuan (Casa Ivan, inícios do séc. XX). Das janelas do primeiro andar onde costumo dormir vejo a praia, ouço a sirene do embarcamento para Belle-Île, a ilha de Sarah Bernhardt, o vento e as tempestades. Muitas noites vou-me pelo oceano do sono arrastado pela sensação de conforto, companhia e fantasmagóricas imagens que misturam realidade e fantasia no sossego de oito nove horas de sono. Quando o vento sopra mais forte e faz abanar portas e janelas, sinto-me como se viajasse em alto-mar e todos os Adamastores do mundo viessem segredar-me ao ouvido histórias por contar. Esta casa, cujo interior como já aqui disse, me faz lembrar as histórias de Charles Dickens, toda construída em madeira, range e murmura como um ser vivo abandonado à idade e reforçado pelo vigor dos sonhos que carregam todas as esperanças. Sinto-me aqui como se habitasse um mundo esquecido do tempo, ignorado das horas, coberto do musgo que protege e faz crescer os fungos que nutrem cada compasso de vida.