Quarta,
28.
Há dias a televisão ofereceu quase três horas a Nicolas
Hulot – o ilusório homem do Planeta. A dada altura desinteressei-me. O programa
é como aquele da RTP1 Prós e Prós. O
homem prega bem, muito do que diz é razoável, mas a prática é absolutamente
outra a começar pela sua vidinha airada com três carros, não sei quantas casas,
um quotidiano abastecido do melhor da sociedade de consumo. Numa palavra:
caviar e champanhe. A cena política em toda a parte está vassala das suas
contradições e quem vier de trás que feche a luz. Os meus amigos (alguns)
acusam-me de pretender mudar o mundo. Não se trata disso, mas sim de alterar a
submissão dos mais fracos em favor da loucura e da opulência dos fortes
(financeira ou de poder). O que me revolta é ver tanta e tão profunda
disparidade. Veja-se o caso mais recente do senhor Carlos Gohosn.
- A primeira
cópia de O Juiz Apostolatos tenho-a sobre
a mesa de trabalho. De vez em quando folheio-a como quem deita uma olhada
distraída a algo que conhece de longa data. Umas vezes o que perscruto
agrada-me, outras entristece-me. Mas o resultado final irei saber quando me
dedicar à correcção e limpeza do texto. Por agora quero distância, reflexão,
embalo.
- Outro dia, Francis convidou-me a aparecer
no seu minúsculo apartamento com uma vista esplêndida sobre o canal. O pretexto
foi dar-me a conhecer a sua colecção de gravuras do tempo de Napoleão III sobre
o início do Caminho de Ferro em França, datadas de 1850. Na ocasião, mostrou-me
a obra completa de George Sand, de 1854, maravilhosamente encadernada,
ilustrada por Tony Johannot e pelo filho da escritora Maurice Sand. Francis,
coleccionador de arte, organiza de quando em vez exposições. Os americanos não
o largam propondo-lhe milhares de euros por isto e por aquilo. Ele resiste. Por
vezes, em momentos de aperto, vende uma peça, uma tela, uma escultura antiga. Por
exemplo, o seu acervo de arte africana é notável, das poucas valiosas que a
França possui, e disputado pelos curadores internacionais. O Museu Nacional de
Etnologia, em Belém, possui uma obra por ele oferecida. Foi decerto herança da família
ou do realizador Marcel Carné com quem foi ami
intime. O interior é um pequeno museu de bom-gosto, simpático, acolhedor.
Apesar de exíguo, nem por isso deixa de nos acolher parecendo aos nossos olhos
ávidos das belas coisas imenso. A marca da personalidade do seu ocupante, está sólida
em cada divisão.