Domingo, 4.
Um
longo passeio levou-nos ao outro extremo da costa, a Trinité, serpenteando por
estradas estreitas, ladeadas de árvores, arbustos que se fizeram robustos e
impõem-se ao visitante na paisagem à beira-mar, que as edilidades protegem da
invasão selvagem do turismo. À chegada ao Golfo de Morbihan, a vista abraça uma
larga mancha de água, limitada na outra margem por um corredor de vegetação em
semi-círculo onde Quiberon está incluída. Locmariaquer é o limite onde ao fundo
as águas se encontram e o golfe se estreita e temos uma admirável vista sobre
as terras inundadas por assim dizer de menires, cromeleques, estelas e pedras
com 3.000 e 2.000 anos a. C. Um vento forte e frio, varria o panorama líquido, com
suas imensas ilhas desertas, a corrente engrossava, e tudo ali vivia sob a
força da natureza que a si própria se controla. No regresso, por Carnac, a
noite descendo sobre o lençol de água que cobre a Costa Selvagem, o pôr-do-sol
lá longe no infinito presente do firmamento, lançando borrifos de frio, sobre
as vilas repletas de casas fechadas, algumas antigas que guardam a pele com que
foram cobertas há centenas de anos e o silêncio habitado pelo murmúrio de um
mundo sólido, cristão, conservador...
Atrás da personagem o Golfe |
- Esta manhã assisti à missa na igreja
de Quiberon. Comigo a Laure a única da família que é crente. Que dizer! Sou
pouco adepto desta liturgia que faz apelo aos jovens e para os atrair desce ao
seu nível, quero dizer fazendo de uma etapa de Jesus das mais dolorosas uma
festa, quando o que ali se vive é o Sacrifício de Jesus Cristo antes da
condenação à morte. O celebrante e pároco (suponho), vem sobre o altar
paramentado de verde, fica por instantes voltado para os fiéis, depois pega na
guitarra que está ao seu lado e arranca num salmo gritante, agitado, seguido
pela assistência. Só depois começa propriamente o ofício religioso. Tenho numa
folha de papel o esquema do que vai ocorrer – orações, salmos, notas
evangélicas – e encolho-me ante a pobreza do texto, o francês pobre e,
sobretudo, o que ele nos propõem em termos de imagem de Deus. Exemplo: San fin j´exulterai / pour toi je chanterai
/ Ô Dieu car tu es bon! / Je danserai pour toi, / Tu es toute ma joie / Ô Dieu
car tu es bon! Quando chega a homilia, o sacerdote desce do altar e vêm, de
micro em punho, falar aos paroquianos dispostos na grande nave central. Começa
então uma dança, que se vai estender até ao final, quatro passos à frente,
outros tantos a trás, durante trinta minutos. O Evangelho é de S. Marcus (12,
28b-34), o sacerdote lança-se a falar de cães que diz não gostar. Isto para chegar
à analogia: se para gostar de um canino tem que se conhecer o bicho; para se
amar a Deus tem que se conhecer a sua doutrina. Bom. A impressão que fiquei,
foi que toda a cerimónia se assemelhava àquelas reuniões dos Evangelistas
brasileiros, que interpelam a assistência, cheias de cor e folclore para encher
os olhos dos incautos. Quiçá não foi esta a ideia do padre, acredito. Todavia,
para atrair os jovens, talvez fosse mais lógico explicar-lhes quem foi Jesus Cristo
e acreditar que a sua escolha futura fosse uma graça divina. Deus pede-nos
muito pouco. O silêncio é o seu país natural, a matriz da oração.