domingo, novembro 04, 2018

Domingo, 4.
Um longo passeio levou-nos ao outro extremo da costa, a Trinité, serpenteando por estradas estreitas, ladeadas de árvores, arbustos que se fizeram robustos e impõem-se ao visitante na paisagem à beira-mar, que as edilidades protegem da invasão selvagem do turismo. À chegada ao Golfo de Morbihan, a vista abraça uma larga mancha de água, limitada na outra margem por um corredor de vegetação em semi-círculo onde Quiberon está incluída. Locmariaquer é o limite onde ao fundo as águas se encontram e o golfe se estreita e temos uma admirável vista sobre as terras inundadas por assim dizer de menires, cromeleques, estelas e pedras com 3.000 e 2.000 anos a. C. Um vento forte e frio, varria o panorama líquido, com suas imensas ilhas desertas, a corrente engrossava, e tudo ali vivia sob a força da natureza que a si própria se controla. No regresso, por Carnac, a noite descendo sobre o lençol de água que cobre a Costa Selvagem, o pôr-do-sol lá longe no infinito presente do firmamento, lançando borrifos de frio, sobre as vilas repletas de casas fechadas, algumas antigas que guardam a pele com que foram cobertas há centenas de anos e o silêncio habitado pelo murmúrio de um mundo sólido, cristão, conservador...

Atrás da personagem o Golfe 


         - Esta manhã assisti à missa na igreja de Quiberon. Comigo a Laure a única da família que é crente. Que dizer! Sou pouco adepto desta liturgia que faz apelo aos jovens e para os atrair desce ao seu nível, quero dizer fazendo de uma etapa de Jesus das mais dolorosas uma festa, quando o que ali se vive é o Sacrifício de Jesus Cristo antes da condenação à morte. O celebrante e pároco (suponho), vem sobre o altar paramentado de verde, fica por instantes voltado para os fiéis, depois pega na guitarra que está ao seu lado e arranca num salmo gritante, agitado, seguido pela assistência. Só depois começa propriamente o ofício religioso. Tenho numa folha de papel o esquema do que vai ocorrer – orações, salmos, notas evangélicas – e encolho-me ante a pobreza do texto, o francês pobre e, sobretudo, o que ele nos propõem em termos de imagem de Deus. Exemplo: San fin j´exulterai / pour toi je chanterai / Ô Dieu car tu es bon! / Je danserai pour toi, / Tu es toute ma joie / Ô Dieu car tu es bon! Quando chega a homilia, o sacerdote desce do altar e vêm, de micro em punho, falar aos paroquianos dispostos na grande nave central. Começa então uma dança, que se vai estender até ao final, quatro passos à frente, outros tantos a trás, durante trinta minutos. O Evangelho é de S. Marcus (12, 28b-34), o sacerdote lança-se a falar de cães que diz não gostar. Isto para chegar à analogia: se para gostar de um canino tem que se conhecer o bicho; para se amar a Deus tem que se conhecer a sua doutrina. Bom. A impressão que fiquei, foi que toda a cerimónia se assemelhava àquelas reuniões dos Evangelistas brasileiros, que interpelam a assistência, cheias de cor e folclore para encher os olhos dos incautos. Quiçá não foi esta a ideia do padre, acredito. Todavia, para atrair os jovens, talvez fosse mais lógico explicar-lhes quem foi Jesus Cristo e acreditar que a sua escolha futura fosse uma graça divina. Deus pede-nos muito pouco. O silêncio é o seu país natural, a matriz da oração.