quinta-feira, novembro 01, 2018

Quinta, 1 de Novembro.
A dada altura o cérebro gripou. Deu-me então para ir dar uma volta pela Defense. Desde que o Arco foi inaugurado que eu lá não punha os pés. Quando da abertura fui lá com a Annie nessa altura com todas as benesses de maire-adjoint da mairie. O que encontrei hoje é de fugir. Aquilo não tem nada a ver com nada, assemelhando-se a uma cópia de mau gosto dos buildings americanos. Quando cheguei um vento louco atravessava os espaços e uivava aos nossos ouvidos com a garra de lobos enfurecidos. A aridez, a cor cinzentona dos edifícios, a sensação de desconforto, de vazio, de gélido, de desumano  tolha-nos os sentidos. Ao pé daqueles monstros de aço e vidro, parecemos moscas plasmadas, insectos perdidos sem rumo. Um odor horroroso a dinheiro, a podridão, a escravidão espraia-se. Todas as grandes empresas mundiais têm lá pouso, e parece que além delas há quem viva morando naquelas caixas sem beleza. Torres inteiras são máquinas de fazer dinheiro, os centros comerciais e as lojas atropelam-se. Um batalhão de escravos vem de longes paragens todas as manhãs para marcar o ponto e sentar-se em escritórios empilhados com cem metros de altura; saem em bando pelas seis rumo aos seus lares decerto mais acolhedores. A zona fica então entregue aos larápios, aos assassinos, aos guardas-nocturnos. Ali é Paris, mas Paris que não conhece o legado do século das Luzes: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.

Valha-nos o espelho d´água...

.... e aqui as árvores

         - Para me recompor, nada melhor que voltar aos lugares que são a matriz identitária da cidade. Assim desci à Rive Droite para almoçar com as minhas queridas anciãs que me esperavam no último andar do BHV. Comi a seu lado, com os tectos de Paris por paisagem e o sentimento de escutar os seus pensamentos, até os seus balbuciamentos, quando alheias ao tumulto do restaurante, os rostos vincados do pressentimento do fim iminente, derramam mágoas e abandonos, solidão e memórias, sobre os fins de tarde do resto das suas vidas. Tendo depositado um beijo em cada uma, parti a pé, atravessei o Sena para a Rive Gauche e tomei a direcção do Luxembourg. Chovia, fazia frio. Para me proteger e recuperar energias, entrei num café e deixei-me ficar por largo tempo a ver chover. Desci de lá de cima, atravessando a Sorbonne, para tomar o metro na estação Cluny La Sorbonne de regresso a casa. Belo e sempre grandioso reencontro com a arquitectura haussemaniana, ainda que não ignore que o arquitecto de Napoleão III sacudiu os pobres desta zona para instalar nela os ricos.

         - Kiberen (em bretão) onde acabamos de chegar depois de uma viagem de auto-estrada de seis horas.

         - Trouxe comigo o livro de Paul Morand L´allure de Chanel. É uma recolha de textos, digamos, ligeiros que o escritor escreveu em datas e períodos diferentes, mas nem por isso menos interessantes. Morand sabe tocar o leitor, é um artista de mão solta e cultura sólida. Conhecedor do mundo e dos palhaços que o habitam, com a independência que o prestigio e o dinheiro lhe deram, pôde dar-se ao luxo de abanar a sociedade francesa do alto do seu talento de cronista planando sobre tudo e todos.

         - Ontem, tendo encontrado várias edições da obra de Klaus Mann, resisti-lhes e optei por dois livros de Clara Malraux que não conheço senão pelas referências que faz o seu marido. 


         - Em Paris e por toda a França, cenas de violência contra a Polícia, carros incendiados e assim. Esta revolta e incitamento a actos de força, foi convocada nas redes sociais – a nova moda colectiva de fazer frente aos desmandos da autoridade entrincheirada no voto popular. Para dezassete deste mês, estão previstas manifestações contra o abuso do Estado em taxar a gasolina e o gasóleo. Chou Chou acautela-te.