quarta-feira, janeiro 27, 2021

Quarta, 27.

Marcelo Rebelo de Sousa é uma pessoa singular. Vi outro dia na televisão a sua chegada a casa, em Cascais. Vinha da terra natal onde fora votar e chegando, só, ao volante do carro, deparou com a praga dos jornalistas que não só não lhe largam os calcanhares como a porta. Despachado, pegou na mala pesada e levou-a para dentro. Uma jornalista propôs-se ajudá-lo, sacudiu-a. Daí a instantes volta a sair, abre a bagageira e retira mais uns sacos, carrega tudo para o interior. Curiosas, as meninas enviadas para lhe seguir os passos, conseguem que lhes mostre o interior, como vive, como passa os dias ou melhor dizendo as noites.  Vemo-lo na cozinha a tratar do almoço, pela sala espaçosa onde muralhas de livros forram os muros, a subir ao quarto de dormir, enfim, na sua vida quotidiana de homem só e independente. Os jornalistas sentenciosos, habituados a uma vidinha calaceira de papas à mesa e a criada da mãe a fazer-lhes as sopas, dizem viver o Presidente sozinho, coitadinho. Esta mentalidade de uma fragilidade pobretanas, estende-se à maioria do povo português para quem as indicações de comiseração muitos anos lançadas por uma Igreja de padres amancebados ou servidos por criadas de paróquia, solteiras e sonhadoras, sempre na expectativa de que o padre lhes desse acesso ao que escondia debaixo da sotaina, esta mentalidade, dizia, era o exercício da religião que queria unir sem que antes lançasse toda a sorte de opróbrios. Marcelo foi o único Presidente com carisma, solto, sem a cataplasma funcional da sociedade hipócrita, culto e competente, sem precisão de utilizar a fórmula ridícula e hipócrita “por trás de um grande homem, há sempre uma grande mulher”. Ele devia servir de exemplo se Portugal fosse um país moderno, sem entraves morais e sociais, sem falsas imagens que se traduzem quase sempre em dogmas que estigmatizam e reduzem o outro ao ostracismo, anulando-o, expatriando-o do núcleo geral dos abençoados das uniões insuportáveis e violentas que secretamente se criam e desenvolvem à sombra das aparências e das idiotas realidades familiares. Viver só é uma opção, um conceito, uma maneira de escolher a liberdade e fazer dela o ideal do presente e do futuro. Uma pessoa que faz esta escolha ou a ela se acolhe por imperativos da vida, deve aceitá-la e reconstituir-se numa outra realidade que o torna mais sólido, mais forte, e se for cristão entende que nunca se está verdadeiramente só. Acresce que no caso de Marcelo Rebelo de Sousa trata-se de um homem activo e os livros que o rodeiam são os amigos que lhe alimentam a vida e dão sentido a tudo.