Quarta, 17.
Os
nossos bravos jogadores que compõem a equipa nacional de hóquei, ganharam o
Campeonato do Mundo da modalidade. Parabéns!
Enfim, outras modalidades cortam a colonização do futebol e os seus
desportistas são incomparavelmente mais dignos e equilibrados que aqueloutros. Se
louvo a vitória, é porque na minha juventude, em casa, todos éramos afeiçoados
do hóquei. Muitos foram os jogos que acompanhávamos pela TV, a preto e branco, finais
em que ganhámos aos espanhóis também sólidos na modalidade.
- Depois da animação na Brasileira,
valendo-me do Passe Mágico, entrei no Chiado no eléctrico para um percurso
revivalista. Viajando pelos sítios onde meia-vida se escoou até 1999, com bons
e maus dias, hoje lugares desorganizados, barulhentos e impiedosamente
entregues à sofreguidão que todos chamam progresso, mas que desconfigurou a
paisagem urbana, o bairro escondido atrás do Bairro Alto, tranquilo, com o seu
casario baixo, suas ruas estreitas, becos e pracetas humildes que eram uma
graça e um prazer habitar, onde o sol batia animando pessoas e coisas, roupas
estendidas nas cordas às portas dos prédios esburacados, fios de coscuvilhice
das velhas antigas, cheias do saber que não mata mas mói quem a sua língua queimar,
mistura de classes num convívio humano simples e directo, dentro e fora dos
cafés, nas mercearias, no jardim do Príncipe Real, na paragem do autocarro que
chegava da Baixa e terminava em S. Bento. Atrás de mim, no banco forrado a
cabedal, ia um fala-barato que barafustava por tudo e por nada, desfiando o
chorrilho de asneiras que a minha boca nunca vomitou, contra um carro que
obrigou o condutor a passar sem o beliscar e nos quedou por uns bons dez
minutos em manobras, ou quando viu mais adiante entrar dois africanos logo lançou
labaredas contra “estes c. que estão em todo o lado”. A certa altura, observei
o prédio onde vivi o tempo nunca olvidado, hoje atirado para trás das costas, triturado
e esquecido, como coisa corroída a que não gostamos de voltar; assim como uma
ou outra personagem envelhecida como eu, sombra das sombras que as noites
engoliram e as horas teceram no vazio do tempo perdido. O que nos resta, é meia
xícara de memórias no fundo de nós à espera do silêncio, do grande e pesado
silêncio que tudo reduz a nada...
- Graças ao Passe Mágico ruas e
subterrâneos, transportes terrestres e marítimos, vilas e aldeias do chamado mundo
suburbano ou Grande Lisboa, ficaram à mercê de um gesto, de uma cocega do
cartão na face do equipamento, num abrir e fechar de olhos, transformando
populações inteiras em saltimbancos, correndo os lugares como a velha feiticeira
sobrevoando o espaço e o tempo. Porque o passe que eu qualifiquei de mágico,
tem a sua origem ou pelo menos aprovação, no Mágico que nos governa há quatro
anos. Eu não conheço a sua biografia, mas cheira-me que o sortilégio aprendeu-o
ele nas cadeiras de Direito, a seguir a treinar no Partido, depois com paragem
ou apeadeiro em S. Bento para se especializar antes de prosseguir viagem até Belém.
Claro que o feito não desmerece o seu obreiro, e rezarei sempre um Padre Nosso
pela sua saúde cada vez que, retirando com um sorriso do bolso o Passe Mágico,
o erga como quem levanta uma taça de vinho de champanhe: “Ao ilusionista que
Deus dê anos de vida para nos continuar a enfeitiçar!”
- No Amoreiras, cruzei-me com António
Calvário. Que grande milonga ele me deitou a tal ponto que tive de me amparar
para não cair redondo no chão...