quarta-feira, julho 17, 2019

Quarta, 17.
Os nossos bravos jogadores que compõem a equipa nacional de hóquei, ganharam o Campeonato do Mundo da modalidade. Parabéns!  Enfim, outras modalidades cortam a colonização do futebol e os seus desportistas são incomparavelmente mais dignos e equilibrados que aqueloutros. Se louvo a vitória, é porque na minha juventude, em casa, todos éramos afeiçoados do hóquei. Muitos foram os jogos que acompanhávamos pela TV, a preto e branco, finais em que ganhámos aos espanhóis também sólidos na modalidade.

         - Depois da animação na Brasileira, valendo-me do Passe Mágico, entrei no Chiado no eléctrico para um percurso revivalista. Viajando pelos sítios onde meia-vida se escoou até 1999, com bons e maus dias, hoje lugares desorganizados, barulhentos e impiedosamente entregues à sofreguidão que todos chamam progresso, mas que desconfigurou a paisagem urbana, o bairro escondido atrás do Bairro Alto, tranquilo, com o seu casario baixo, suas ruas estreitas, becos e pracetas humildes que eram uma graça e um prazer habitar, onde o sol batia animando pessoas e coisas, roupas estendidas nas cordas às portas dos prédios esburacados, fios de coscuvilhice das velhas antigas, cheias do saber que não mata mas mói quem a sua língua queimar, mistura de classes num convívio humano simples e directo, dentro e fora dos cafés, nas mercearias, no jardim do Príncipe Real, na paragem do autocarro que chegava da Baixa e terminava em S. Bento. Atrás de mim, no banco forrado a cabedal, ia um fala-barato que barafustava por tudo e por nada, desfiando o chorrilho de asneiras que a minha boca nunca vomitou, contra um carro que obrigou o condutor a passar sem o beliscar e nos quedou por uns bons dez minutos em manobras, ou quando viu mais adiante entrar dois africanos logo lançou labaredas contra “estes c. que estão em todo o lado”. A certa altura, observei o prédio onde vivi o tempo nunca olvidado, hoje atirado para trás das costas, triturado e esquecido, como coisa corroída a que não gostamos de voltar; assim como uma ou outra personagem envelhecida como eu, sombra das sombras que as noites engoliram e as horas teceram no vazio do tempo perdido. O que nos resta, é meia xícara de memórias no fundo de nós à espera do silêncio, do grande e pesado silêncio que tudo reduz a nada...

         - Graças ao Passe Mágico ruas e subterrâneos, transportes terrestres e marítimos, vilas e aldeias do chamado mundo suburbano ou Grande Lisboa, ficaram à mercê de um gesto, de uma cocega do cartão na face do equipamento, num abrir e fechar de olhos, transformando populações inteiras em saltimbancos, correndo os lugares como a velha feiticeira sobrevoando o espaço e o tempo. Porque o passe que eu qualifiquei de mágico, tem a sua origem ou pelo menos aprovação, no Mágico que nos governa há quatro anos. Eu não conheço a sua biografia, mas cheira-me que o sortilégio aprendeu-o ele nas cadeiras de Direito, a seguir a treinar no Partido, depois com paragem ou apeadeiro em S. Bento para se especializar antes de prosseguir viagem até Belém. Claro que o feito não desmerece o seu obreiro, e rezarei sempre um Padre Nosso pela sua saúde cada vez que, retirando com um sorriso do bolso o Passe Mágico, o erga como quem levanta uma taça de vinho de champanhe: “Ao ilusionista que Deus dê anos de vida para nos continuar a enfeitiçar!”


         - No Amoreiras, cruzei-me com António Calvário. Que grande milonga ele me deitou a tal ponto que tive de me amparar para não cair redondo no chão...