Sábado, 20.
Hoje
comemora-se a chegada do homem à Lua. Todavia, outro dia na Brasileira, João
lançou a dúvida apoiado em testemunhos de cientistas. Parece que há no mundo
inteiro muitos astros-físicos que põem em causa o acontecimento e rotulam o
feito de impostura. Se assim é digo, preto no branco, que quem tinha razão era
a Madame Juju ao rotular aquilo de filme. Os americanos são capazes de tudo. That is the question.
- O calor abrasador e felizmente intermitente
que temos tido, tem sido causa de muitos pássaros lindíssimos aparecerem mortos
na piscina. Pelo menos uns cinco.
- Hoje acordei com meia dúzia de
mulheres e um ancião. Quando abri a janela do quarto, as suas vozes entraram
com a aragem fresca da manhã. Deitei uma olhadela à vasta vinha, mas não
enxerguei vivalma. Só quando desci para tomar o pequeno-almoço, vi flutuar
sobre a densa ramagem do vinhedo, os seus corpos curvados a sacholar em torno
dos corpulentos bacelos. “Bom dia, disse eu. - Bom dia. Está muito calor hoje.”
Estra troca de gentileza continuou de quinta para quinta, com pequenos acenos
de palavras. Depois fui fazer a mais ampla rega e a sua companhia foi para mim o
regresso ao tempo que pensava perdido para as modernas tecnologias - o coração bailou
o resto do dia. Depois vieram a Tereza Magalhães e o João Corregedor. Fui
apresentá-la a Maria João para que ela se interessasse em organizar uma
exposição com os mais recentes trabalhos da artista.
- Um amigo leitor, quis saber o
seguimento da milonga do excelente artista, com voz única, personalidade para a
época vanguardista, que depois os Beatles vieram a esbanjar, senhor de agradável
polidez e simpatia, filtrada pela educação que deve ter sido a sua, num país
atrasado, assente na ronceirice da família onde a mulher era subalternizada a
ponto de necessitar da anuência do marido para viajar ao estrangeiro, António
Calvário pois é dele que falo, foi uma lufada de ar fresco num Portugal
complexado, atrasado, cheio de clichés e dependente de tudo, machista ma non tropo quando observamos a
dependência do marido da mulher, mentalmente sua criada, que lhe faz e desfaz a
mala, ajeita-lhe os chinelos nos pés, condu-lo gâteux nos passeios, trata-lhe da comidinha, lava-lhe os cueiros de
velho, enfrenta os credores e põe-na na cama nas noites em que sua excelência,
tocada a álcool, se serve dela como de um robot mudo que consubstancia o poder que
se orgulha possuir.
A milonga, porém, chegou com trinta e
tal anos de atraso. Eu explico. Calvário cruzava-se comigo centenas de vezes ao
longo dos quatro ou cinco anos em que ia ao Centro Universitário na Rua Dona
Estefânia, em Lisboa, à Rádio Universidade, no primeiro andar, gravar o
programa Nova Musa. Via-o muitas
vezes ao balcão do café que ficava (acho que ainda existe) na praça com o mesmo
nome. Ele morava no prédio em frente do Centro Universitário e não admira que
nos conhecêssemos sem nunca nos falarmos. Eu era muito bonitinho, cabelo
comprido aloirado, ainda por cima coxinho, coitadinho, o que atraía a atenção
de muitas mulheres como de homens; ele a vedeta nacional que arrastava
multidões e tinha que se defender das aproximações indesejadas. Até porque
muita boataria corria sobre ele. O país fechado e mandão contribuía para isso.
Em paralelo, João Villaret, atravessava os mesmos tormentos. Mas este,
contou-me um dia o João Perry ou o Rui Romano quando estávamos a gravar na RTP
o programa Feira Literária, não se
fazia rogado. No final do recital de poesia no S. Luis, a plateia de frustrados,
começou a aplaudir com este slogan provocante: “Villaret-é, Villaret-é,
Villaret-é”. O grande senhor que o actor era, veio à boca de cena e disse:
“Villaret é, sabe-o ser e tem muito prazer em sê-lo. Boa noite.” Os
espectadores aplaudiram com fervor e admiração, os infiltrados moralistas
saíram de queixo caído. Conclusão: eu não devo ter alterado grande coisa,
porque volvidos tantos anos, ainda sou reconhecido. Toma e embrulha.
- Assim que me libertei do João e
Teresa e Brejnev, atirei-me à água porque
o calor hoje apertou um pouco mais. Com que não contava, era ser picado segunda
vez esta semana por uma abelha. Tenho um cortiço debaixo da espreguiçadeira que
ignorava.