sábado, julho 20, 2019

Sábado, 20.
Hoje comemora-se a chegada do homem à Lua. Todavia, outro dia na Brasileira, João lançou a dúvida apoiado em testemunhos de cientistas. Parece que há no mundo inteiro muitos astros-físicos que põem em causa o acontecimento e rotulam o feito de impostura. Se assim é digo, preto no branco, que quem tinha razão era a Madame Juju ao rotular aquilo de filme. Os americanos são capazes de tudo. That is the question.  

         - O calor abrasador e felizmente intermitente que temos tido, tem sido causa de muitos pássaros lindíssimos aparecerem mortos na piscina. Pelo menos uns cinco.

         - Hoje acordei com meia dúzia de mulheres e um ancião. Quando abri a janela do quarto, as suas vozes entraram com a aragem fresca da manhã. Deitei uma olhadela à vasta vinha, mas não enxerguei vivalma. Só quando desci para tomar o pequeno-almoço, vi flutuar sobre a densa ramagem do vinhedo, os seus corpos curvados a sacholar em torno dos corpulentos bacelos. “Bom dia, disse eu. - Bom dia. Está muito calor hoje.” Estra troca de gentileza continuou de quinta para quinta, com pequenos acenos de palavras. Depois fui fazer a mais ampla rega e a sua companhia foi para mim o regresso ao tempo que pensava perdido para as modernas tecnologias - o coração bailou o resto do dia. Depois vieram a Tereza Magalhães e o João Corregedor. Fui apresentá-la a Maria João para que ela se interessasse em organizar uma exposição com os mais recentes trabalhos da artista. 

         - Um amigo leitor, quis saber o seguimento da milonga do excelente artista, com voz única, personalidade para a época vanguardista, que depois os Beatles vieram a esbanjar, senhor de agradável polidez e simpatia, filtrada pela educação que deve ter sido a sua, num país atrasado, assente na ronceirice da família onde a mulher era subalternizada a ponto de necessitar da anuência do marido para viajar ao estrangeiro, António Calvário pois é dele que falo, foi uma lufada de ar fresco num Portugal complexado, atrasado, cheio de clichés e dependente de tudo, machista ma non tropo quando observamos a dependência do marido da mulher, mentalmente sua criada, que lhe faz e desfaz a mala, ajeita-lhe os chinelos nos pés, condu-lo gâteux nos passeios, trata-lhe da comidinha, lava-lhe os cueiros de velho, enfrenta os credores e põe-na na cama nas noites em que sua excelência, tocada a álcool, se serve dela como de um robot mudo que consubstancia o poder que se orgulha possuir.
         A milonga, porém, chegou com trinta e tal anos de atraso. Eu explico. Calvário cruzava-se comigo centenas de vezes ao longo dos quatro ou cinco anos em que ia ao Centro Universitário na Rua Dona Estefânia, em Lisboa, à Rádio Universidade, no primeiro andar, gravar o programa Nova Musa. Via-o muitas vezes ao balcão do café que ficava (acho que ainda existe) na praça com o mesmo nome. Ele morava no prédio em frente do Centro Universitário e não admira que nos conhecêssemos sem nunca nos falarmos. Eu era muito bonitinho, cabelo comprido aloirado, ainda por cima coxinho, coitadinho, o que atraía a atenção de muitas mulheres como de homens; ele a vedeta nacional que arrastava multidões e tinha que se defender das aproximações indesejadas. Até porque muita boataria corria sobre ele. O país fechado e mandão contribuía para isso. Em paralelo, João Villaret, atravessava os mesmos tormentos. Mas este, contou-me um dia o João Perry ou o Rui Romano quando estávamos a gravar na RTP o programa Feira Literária, não se fazia rogado. No final do recital de poesia no S. Luis, a plateia de frustrados, começou a aplaudir com este slogan provocante: “Villaret-é, Villaret-é, Villaret-é”. O grande senhor que o actor era, veio à boca de cena e disse: “Villaret é, sabe-o ser e tem muito prazer em sê-lo. Boa noite.” Os espectadores aplaudiram com fervor e admiração, os infiltrados moralistas saíram de queixo caído. Conclusão: eu não devo ter alterado grande coisa, porque volvidos tantos anos, ainda sou reconhecido. Toma e embrulha.


         - Assim que me libertei do João e Teresa  e Brejnev, atirei-me à água porque o calor hoje apertou um pouco mais. Com que não contava, era ser picado segunda vez esta semana por uma abelha. Tenho um cortiço debaixo da espreguiçadeira que ignorava.