segunda-feira, julho 01, 2019

Segunda, 1 de Julho.
Cortaram-lhes tudo: gás, electricidade, água, permissão de saírem dos seus apartamentos; começaram, inclusive, a demolir o prédio para os aterrorizar, mas os bravos velhotes, de boa cepa, coragem para dar e vender aos filhos e a todos os fracos, resistem às invectivas do fascista presidente de câmara de Viana do Castelo. Tudo isto num país que se diz democrático e republicano. Quando sair O Rés-do-Chão de Madame Juju, lerão uma cena muito parecida que denuncia o que são as nossas queridas câmaras e os xerifes que as tomam de assalto, e dizem-se mais próximos dos cidadãos que os eleitos para o Parlamento.

         - Com a autoridade, o trabalho e o exemplo que lhe reconheço, Joana Marques Vidal disse que “há redes a capturarem o Estado”. Quem melhor que ela para fazer uma acusação de tal gravidade, ela que conhece os meandros sinistros da corrupção no Estado, nas autarquias, nas juntas de freguesia, e por aí fora. O corredor está empestado de ratos e ratazanas digladiando-se entre si e não deixando amesendar-se o outsider moralizador. 

         - Neste país pacífico, desenvolvido, sem pobreza, governado por gente honesta e culta, desprendida e fixada no bem comum, não se compreende como trabalhadores de todas as áreas desdigam com greves e manifestações, o panorama maravilhoso do Portugal democrático e europeu apregoado por aqueles que o governam. Raios partam os médicos e enfermeiros que hoje iniciaram mais uma greve!

         - Ontem, ao balcão da bilheteira, com a rapariga que me atendeu, tive este excelente diálogo. Depois de me ter vendido o bilhete de ingresso no cinema, perguntou:
         - Com os quatrocentos anos que diz ter, deve ter carro?
         - Tenho, mas não o uso quando possuo bons transportes públicos. Por que pergunta?
         - Para lhe dar a gratuitidade no parque de estacionamento.
         - Pois, mas eu trato do Planeta melhor que os seus amigos que saem para a rua em manifestações de moda e não de convicção a favor da Terra. Quando lhe tirarem os concertos, os futebóis, as roupas de marca compradas e abandonadas todos os anos, os gadgets e outras porcarias de uma inutilidade diabólica, aí quero ver como vão reagir.
         - Tem razão. Eu tenho 22 anos e é verdade isso que diz. Os meus amigos estão-se nas tintas para tudo.
         Aproxima-se, entretanto, a colega do lado, eufórica:
         - Eu votei pela primeira vez nestas eleições para a Europa. E estou de acordo com o que diz a minha amiga. A maior parte dos meus amigos também não se interessa por nada, está-se nas tintas para tudo.
         - Porque talvez sempre lhes deram tudo de mão beijada – disse num sorriso e acrescentei: temos de estar atentos em permanência, nada está consolidado na vida. Olhem para mim, com quatrocentos anos não páro de pregar. Prego em todo o lado.
         Um miúdo com um buço já desenhado, ele a mãe que entretanto chegaram e escutavam nas minhas costas a conversa, abriu muito os olhos e olhou-me num misto de incerteza e admiração. A rapariga atirou em jeito de despedida:
         - Continue a pregar. E riu-se muito.


         - Quando cheguei a Sete Rios ou a Jardim Zoológico os senhores do metro que decidam, deparei com a gare completamente atulhada de gente. Indaguei o que se passava. Disseram-me que aquele milhar de pessoas exibindo na lapela um cartão com a frase “O amor nunca acaba”, vinha de um congresso internacional de testemunhas de Jeová. Vê-las e ouvi-las falar e actuar no cais, cheias de delicadeza e amor ao próximo, apetece juntar-nos a elas. O pior foi quando o comboio parou: o atropelo, os empurrões, os gritos, o salve-se-quem-puder, cada um por si e Deus por todos foi dramático. A viagem até casa, fi-la a disfarçar com o lenço os inúmeros odores de raças que expeliam cheiros horríveis de quem não conhece água há alguns dias.