Sexta, 5.
O destituído
“maior jogador do mundo” cheira-me que vai terminar nas ruas da amargura. O
trambolhão, porque subiu muito alto, vai ser medonho. Certo, talvez a conta
bancária continue abastada, mas tudo o que fez dele a glória que o alimentou,
acaba untada do lodo vergonhoso que a arrogância e a vaidade não consente.
- Outro dia, longa conversa com o
Mário (economista). Ele é uma pessoa reservada, misteriosa, que se defende do
mundo calafetando os sentimentos. Por reserva pessoal, nunca lhe perguntei nada
da sua vida íntima, familiar, profissional. Apenas sei que a sua mãe e eu somos
os únicos seres com quem ele quase sempre está em desacordo. E sei-o porque ele
soltou este desabafo num momento mais emotivo. Contudo, desta vez, tivemos uma
interessante conversa acerca das escolhas de vida, da solidão, da independência
que não precisa dos apoios do partido, da família, do clube desportivo, da
colectividade, imperando apenas a liberdade como factor de sustentação
quotidiana e raiz essencial da existência. Apesar disso, consegui penetrar um
pouco mais no seu pensar sem que ele, contudo, se abrisse. Quando muito
percebi-o através do que ele ia dizendo de si no concorde daquilo que eu lhe
revelava de mim. Grande apaixonado por Michio Kaku, deu-me a ler A Física do Futuro que eu não apreciei
porque achei um livro confuso misturando Mahatma Gandhi com Aristóteles ou São
Tomás de Aquilo. A esse propósito tivemos uma grande discussão, mas a sua
argumentação remetia-me permanentemente para o evoluir de um mundo onde a
tecnologia ocupará parte fundamental da existência e isso que de certo modo já
muitos físicos antecipam, nada me diz do ser humano cujas bases emotivas, sensitivas,
religiosas parecem não ter lugar no futuro - e aqui reside a aridez da vida à
fase da terra, comandada por robots que pretendem roubar-nos os sentimentos e a
consciência. Espero que a humanidade comece já a lutar contra essa nova
barbárie e não queira viver atulhada de engenhos que por ela comandam o mundo,
interpretam a realidade, rezam e choram, são alimentados por ditaduras e
transformam-nos em seres robotizados irmãos dos que nos roubam a liberdade e a consciência.
Quando chorar quero fazê-lo com as minhas lágrimas, quando me rir quero ouvir
os meus sons, quando orar quero balbuciar cada oração com o meu coração, quando
olhar o mar, o céu azul, as estrelas nocturnas, quero vê-las com os meus olhos
inspirados do que há de mais belo dentro de mim: a sacralização da vida, o ser
humano único e irrepetível.